Kaio Muniz

publicado na Ed_09_out/dez.2018 por e

Era final de agosto e nós não conseguíamos conversar com a última fonte que pensamos ser o perfil que gostaríamos de retratar. Tentamos diversos canais de pesquisa, sites, redes sociais, contato com alguns homens trans que entrevistamos e até o momento não havíamos conhecido nenhum perfil.

Até que encontramos em um site um rapaz que topou conversar conosco, mas, infelizmente os horários dele eram complicados e acabou desmarcando. Nosso tempo era curto, voltamos à estaca zero. Procuramos novamente outro cara que se enquadrava na história que gostaríamos de contar, ou pensávamos que se enquadrava.

Queríamos contar a realidade de um garoto de programa trans. Para além disso, entender o porquê as pessoas trans recorrem a esse trabalho.

Gabriel foi a pessoa que enfim achamos que poderia nos ajudar e contar a sua história. Mas notamos um bloqueio, pois, ele é ex-garoto de programa. Hoje é casado com uma mulher trans e não trabalha mais com programa. Além desse motivo, Gabriel estava passando por um processo de mudança em sua casa e pouco tinha tempo para falar conosco.

Depois de muito insistir e tentar essa entrevista, notamos que o tempo estava se esgotando e os horários dele estavam cada vez mais difíceis. Decidimos perguntar se ele poderia nos indicar alguém para conversamos.

Cabe dizer que o nosso interesse na entrevista com o garoto de programa se dá para entendermos melhor o mercado de trabalho. Além de entender os motivos de escolher uma profissão que no Brasil é tida como um tabu e é constantemente alvo de preconceito.

Gabriel passou o contato de Kaio Muniz. Quando estávamos procurando alguns caras para conversar vimos o perfil dele algumas vezes. Salvamos seu contato, mas, inconscientemente acreditamos que ele não falaria conosco. Seu perfil é marrento, na descrição estava escrito “dispenso curiosos” em caixa alta. Automaticamente pensamos não ser uma boa ideia.

Depois que o Gabriel fez a ponte entre nós e o Kaio, tudo parece que foi se encaixando. O nosso receio tinha passado, ele se mostrou muito simpático e aberto a contar sua história desde o princípio. Seus horários eram bons e conseguimos enfim agendar um dia para ouvir essa história. Nosso tempo era mais curto ainda.

E foi no dia 11 de setembro de 2018 (um mês depois de iniciarmos a procura), encontramos Kaio Muniz, no centro de São Paulo, no Shopping Frei Caneca. Chegamos no local marcado dez minutos mais cedo. Kaio estava a caminho, tinha acabado de sair da academia. Fomos andar no shopping enquanto ele não chegava.

Ao passarmos por um quiosque de óculos notamos que tinha um rapaz pequeno, porte atlético apesar de sua estrutura magra, com boné e um jeito marrento. Era ele.

Com os cumprimentos tímidos de ambas as partes, começamos a andar para procurar um lugar calmo onde poderíamos conversar com mais tranquilidade e privacidade. Foi em uma cafeteria que iniciamos mais uma conversa extremamente interessante.

“Me dê um abraço venha me apertar, tô chegando”

Kaio Muniz, 23 anos. Assim como os outros homens trans, que tivemos contato, se mostrou um pouco fechado no início, mas foi se soltando conforme o tempo passava. Seu sotaque forte não nega que veio de outro estado. Carrega um pouco o ‘r’, misturado com gírias paulistanas e um vocabulário pontual, correto.

Saiu de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, veio tentar a vida em São Paulo, se encontrar e se descobrir ainda mais.

Cresceu em uma família evangélica protestante, frequentadores assíduos da igreja. Ele também frequentava quando era pequeno. Tinha o cabelo cumprido, usava saia até o chão, cantava no coral, tocava. A música para ele é transcendental.

Mas parou de frequentar a igreja há dez anos. Percebeu que havia muita hipocrisia por parte das pessoas. Deus em sua vida é sagrado, portanto, não aceita determinados comportamentos.

Seu pai, por ser pastor, sempre foi muito pontual na aceitação dele. Na adolescência se assumiu lésbico (ele gosta de usar o pronome masculino porque não consegue pensar que era lésbica. Dando a entender que já foi uma mulher). Teve um desentendimento com seu pai que não o aceitava. Falava que não compactuaria com esse tipo de comportamento, se Kaio quisesse seguir esse caminho, teria que sair de casa.

— Pai, eu não preciso do seu apoio, preciso do seu respeito, minha essência é a mesma e todos entenderam. Não sei como não entendeu ainda, mas continuo sendo seu sangue. Continuo sendo sua filha.

Essa falta de apoio do seu pai foi um dos maiores desafios para ele. Pensar em questões de sexualidade e gênero sem o respeito e entendimento do seu pai é doloroso. Mesmo hoje o aceitando como é. Enxerga que é decepcionante ter o rótulo de “problema da família” e lutar cotidianamente mostrando que ele não é um problema, só escolheu ser feliz.

— Era como se eu fosse uma bola de futebol, um jogando para o outro — Fala sorrindo, um sorriso triste, pensativo, mas há um sorriso.

Essa é outra característica forte dele: a simpatia. Sempre sorri, sempre se mostra alegre, espontâneo, disposto a ajudar. Foi leve experimentar essa conversa.

Um dia, quando era criança, brincando na chácara onde todos os seus parentes estavam reunidos, sua mãe o vestiu com um biquíni. Ele ficou de canto com o cabelo amarrado, chorando, enquanto todos brincavam, pulavam na piscina. Não passou muito tempo sua mãe tirou a parte de cima do biquíni. Ele virou outra criança, pulou na piscina, brincou com seus primos, correu para lá e para cá. Todos riram felizes com a cena. “Esse foi o momento mais feliz da minha vida”.

Apesar de todos esses sorrisos da época de infância, a adolescência não foi fácil. Mesmo contra tudo e todos, ele nunca desistiu. Não é um cara que vai repetir a mesma coisa inúmeras vezes. É de falar só uma vez, quem ouviu tudo bem, quem não ouviu, vai aos poucos perceber as mudanças. Desde pequeno falava para a mãe que não queria ser mulher. Sua mãe se exaltava e não entendia. O tempo foi passando e ele foi cada vez mais tomando consciência de quem era. Mas não foi tão fácil assim.

A princípio se assumiu lésbico, como costuma acontecer com alguns homens trans. Mas ele notava que diferente das outras meninas lésbicas, ele não se encaixava, não compartilhava das mesmas sensações. Isso porque ele nunca se viu num corpo feminino. Sempre sentiu que era diferente delas.

Na época do colégio, chegou a sofrer por se assumir. Ouvia xingamentos aqui e ali, houve o afastamento de alguns de seus amigos, mas nunca ligou muito para a opinião alheia. Nunca se inferiorizou por isso. Com um pensamento um pouco radical, Kaio chega a nos contar que sofria menos preconceito do que outras pessoas, porque nunca abaixou a cabeça.

Nunca se vitimizou com quaisquer situações que passou. Mesmo sem os amigos por perto, sempre se protegeu. Não chorava no canto, não ficava quieto escutando vozes nos corredores. Apesar da calmaria que o domina, ele não aceita desaforo. Se quer brigar, ele vai brigar. Para ele, alguém só aceita o preconceito se quiser aceitar.

Ainda hoje, algumas pessoas o atacam dizendo que ele é homem, mas não tem o órgão genital masculino. Ele se sente ofendido, mas não deixa que isso o abale. Para ele, todo mundo sofre algum tipo de preconceito, com ele não seria diferente. Levanta a cabeça e contra-ataca.

“O menino que há em mim nasceu pra cantar”

Mesmo sob olhares de julgamento, sempre buscou se reconhecer, se entender. E foi em 2017 que algo ascendeu em sua mente. Acabou encontrando um vídeo no YouTube[1] que retratava histórias de homens trans. Na mesma época, a novela das 21h, “A força do querer”, da TV Globo, contava a história da Ivana, uma garota que não se reconhecia no seu corpo biológico e começou a fazer a transição. Ao final Ivana se tornou Ivan. E foi possível presenciar tudo isso pela TV em rede nacional. Nele despertou sentimentos de liberdade.

Logo se encontrou e soube o porquê estava insatisfeito com o seu corpo. Ele era homem, a sua essência era masculina. Não demorou para começar a pesquisar e ir atrás desse encontro de si mesmo.

Sem falar nada para ninguém, foi entendendo como funcionava para tomar os hormônios, para se tornar aquilo que desejava. Já não tinha mais dúvidas. Em dois meses teve o contato com o primeiro hormônio.

Conheceu João Miguel, que era homem trans, e perguntou como fazia o processo. João disse que a ampola custava 23 reais, mas que era preciso Kaio ir ao médico primeiro para saber como estava a sua saúde. Depois de fazer uma bateria de exames, pegou os resultados e estava tudo certo.

Na época estava desempregado e tinha apenas 20 reais na carteira. Implorou para João o ajudar, ele queria a todo custo mudar. Seu novo amigo ajudou comprando a primeira ampola. Por ser homem trans sabia o quão importante era aquilo para Kaio.

E foi assim que começou, entre o desespero interno e a calmaria externa que as mudanças foram aparecendo. Não foi preciso sentar e conversar com a família, todos foram entendendo aos poucos o que estava acontecendo.

Ainda assim sua mãe questionava sobre as mudanças que iam aparecendo. Ele, com a voz tranquila e um sorriso estampado, falava que estava se tornando um homem. Mas sua mãe por muitas vezes preferiu não acreditar.

A barba começou a aparecer, a voz foi engrossando, o corpo começou a se transformar, a postura mudar. Tudo era novo, diferente, feliz. Sua tia, em uma das conversas com ele, disse que não o chamaria mais pelo nome de registro. Não mais cabia aquele nome a ele, era distorcido, não ornava. Ela não enxergava mais uma menina ali na sua frente. Essas pequenas coisas foram fazendo diferença para ele.

Sua vó também notando algo diferente em seu jeito, passou a adotar e o chamar pelo pronome masculino. Isso é considerado uma vitória para ele. Levando em consideração a criação dela, o tempo em que nasceu, a maturidade, simplicidade e delicadeza que o trata fez com que ele se sentisse acolhido em seus braços.

Participou de dois programas da TV aberta, um no SBT, Casos de Família[2], e outro na Rede TV, Super Pop[3]. Essas duas participações fizeram com que a família entendesse e desmistificassem a ideia que tinha sobre pessoas trans. Após mostrar as gravações dos programas, eles compreenderam que faz parte da vida de Kaio, cabe respeitá-lo e acolhe-lo.

Então, sempre quando o questionam sobre transmasculinidade, ou, quando algum homem trans que está começando a transição deve fazer com a família, ele relata sua experiência. Diz que a família vai entender se eles explicarem tudo certo, dizer que a essência é a mesma, o caráter não muda. O que muda é a sua liberdade. É o dia a dia que vai mudar “porque palavras entram por um ouvido e saem pelo outro, mas atitudes não”.

E assim, aos poucos, nasceu Kaio. Nome que desde pequeno sonhava, já se imaginava assim. Até queria a ajuda da mãe para escolher seu novo nome, mas Kaio sempre esteve em sua imaginação, coração e ser, que não havia dúvidas, era para ser.

“Mais sou o mesmo homem que um dia você conheceu”

“Próxima parada: Consolação, desembarque pelo lado esquerdo do trem”. Chegou em São Paulo. Aqui teria mais oportunidades de tentar a vida, encontrar hormônios etc. Mas a vida na capital paulista não é tão simples.

Enlouquecido, buscando mudanças mais radicais no corpo, começou a fazer algumas loucuras. Os hormônios indicados para tomar de 21 em 21 dias, foi reduzido para 15. Como já experimentou muitos, seu corpo demora para ter adaptação e consequentemente alterações. Busca sempre acompanhar os resultados do hormônio junto com a academia.

Nos últimos meses conseguiu ganhar mais barba, dez quilos e algumas mudanças estruturais. Sempre com acompanhamento médico certo, já que, eles afetam diretamente alguns órgãos e acelera o batimento cardíaco.

Assim como os outros homens que conversamos, ele também nota um reflexo negativo em seu humor. Quando faz as aplicações — até hoje — sente que fica um pouco mais nervoso e a paciência encurta também.

A libido também aumenta na mesma proporção. Ele sente como se precisasse se relacionar sexualmente o tempo todo. Depois de um tempo de hormonização ele diz que consegue se controlar um pouco mais, mas, ainda assim acaba imaginando muitas coisas. “Fico querendo ter filho com todo mundo”, fala sorrindo sem parar.

Depois que começou a transição, sua primeira relação sexual foi com uma garota trans, foi totalmente diferente do que já tinha experimentado. Até então só tinha se relacionado sexualmente com uma garota cis na época em que era lésbico.

É mais fácil hoje se relacionar com mulheres trans do que com mulheres cis. As mulheres trans em sua visão, geralmente tendem a compreender melhor a vida dele por ter passado pelo mesmo processo. Mas sexualmente acaba sendo mais normal para ele do que para elas, pois acaba sendo, segundo ele, “chumbo trocado”. Mas ainda assim tem a sua preferência.

A maioria das pessoas que acaba se relacionando não gosta que ele use o pecker. Consequentemente ele não se sente tão à vontade sexualmente. Por isso quer fazer a cirurgia de redesignação sexual. Essa cirurgia pode ser realizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde), desde 2008. Entretanto a fila de espera pode demorar alguns longos anos. E para a realização da cirurgia, a medicina conta com dois procedimentos: motoidoplastia que utiliza o clitóris como base para fazer o que chamam de neopênis; faloplastia, método um pouco mais difícil de ser encontrado no Brasil e também um pouco mais caro. Nesse processo são usados enxertos de pele e nervos dos braços ou coxas para criar o neopênis. Mas por ser um procedimento que ainda está em estudos, não é muito utilizado.

Mas antes de fazer essa cirurgia, que é um pouco mais complexa, Kaio quer fazer a mastectomia primeiro. Com ajuda da academia e dos hormônios que aplica, conseguiu uma redução da gordura mamária grande. Mas ainda pretende realizar. Pelo SUS esse procedimento também é gratuito, no entanto, a fila de espera pode demorar anos. Já a cirurgia particular pode custar em torno de dez mil reais.

Para os homens trans, a realização da mastectomia é a concretização de mais um sonho para se encontrar cada vez mais.

“São só dois lados da mesma viagem”

Kaio tem 23 anos, mas apenas um ano sendo ele mesmo, sendo Kaio. Ainda não fez a troca do nome social, por isso, encontrou diversas barreiras no mercado de trabalho. A contratação de pessoas trans ainda é escassa no Brasil. Muito se fala sobre diversidade, mas pouco se aplica na prática. Muitos ambientes empresariais ainda são transfóbicos e esse comportamento reverbera negativamente para as pessoas trans.

Ele, como outros homens trans, passou pelo mesmo problema. A entrega do currículo e a entrevista carrega seu nome social, como ele quer ser chamado e reconhecido. Mas ao chegar na contratação, na entrega dos documentos a barreira é posta. Notam que ele é um homem trans e automaticamente perde a oportunidade.

Ficou desempregado por dois anos. O desemprego para uma pessoa trans, que precisa semanalmente tomar hormônios, passar em consultas médicas, é desestabilizador, desmotivador.

Esse tempo fora do mercado fez com que buscasse recursos de outras formas. Ele sempre foi ‘8 ou 80’, é capaz de fazer qualquer coisa para se ver feliz, para conquistar as coisas que deseja. O cansaço do mercado, o desrespeito que o tratavam, fez com que ele buscasse outra alternativa.

Há pouco mais de um ano começou a fazer programa. Chamou um amigo e fizeram o anúncio em um site especifico de pessoas trans. O primeiro cliente foi o pior — relembra ele — totalmente inexperiente. “Era gay, eu não sabia nada, nada, não fui orientado. Fui lá na casa dele ainda, tarde da noite, foi tenso”.

O medo sempre está presente nessa profissão. Não saber com quem vai sair, como vai ser, se vai chegar bem em casa. Há sempre o primeiro cliente, ainda que se acostume com a profissão, os perigos estarão sempre à espreita.

Ainda que o medo seja constante, a coragem e a necessidade se sobressaem. É preciso lutar frente aos problemas que vão surgindo. Entrou um dia em uma briga com um cliente, ele o desrespeitou, Kaio não pensou duas vezes e revidou. Não se pode baixar a cabeça.

Ainda que apareçam pessoas trans, o público que mais o procura, em sua maioria, são homens héteros (a maioria casados e com filhos) e gays. Isso pode ser um problema para ele que sempre gostou mais de mulheres. Porém as notas de dinheiro ‘brilham’ e ele encara isso de uma forma totalmente profissional, porque se não, não o faria.

Prazer ele nunca sentiu, pois pagam pelo sexo, pagam pelo corpo. Muitas vezes os clientes tratam como um pedaço de carne, algo descartável. “Imagina você não gosta de homem e o cara vai lá e te usa”. É sensorial o desprazer que ele mostra ao contar.

Essa é a realidade de muitas pessoas trans, o mercado de trabalho os sufocam. Quando não dão oportunidades, abrem espaço para outros trabalhos alternativos e de risco. Kaio é uma dessas pessoas que todos os dias “mata um leão” para sobreviver. Mas só assim consegue pagar as suas contas, os seus boletos. Assim ele se sustenta.

A exposição é outro ponto contra para ele nessa profissão. Ao se expor no site, fica aberto a qualquer possibilidade, de qualquer pessoa com acesso à internet ver. Não sabe dizer se a sua família já descobriu, mas garante que uma de suas fotos de divulgação já teve uma circulação grande.

Antes tinha medo da família descobrir toda a sua vida em São Paulo. Mas hoje foi perdendo esse medo. “É só um corpo isso daqui. O que interessa pra mim é meu espírito e minha alma, o corpo eu vou jogar fora depois”.

Em compensação, apesar dos contras serem altos, os prós são bons. O dinheiro que faz com que ele possa se manter em um bairro bom em São Paulo, além de pagar todas as suas despesas. A auto estima também mudou completamente segundo ele.

Pessoas trans têm pouca autoestima, sofrem preconceito em diversos ambientes. Encontrar alguém que os valorizem, que sabem elogiar, pagam para estar com eles é um tanto quanto gratificante. “Aí você compara essa pessoa que fala tudo isso com uma que fala “você não tem o principal”, essa diferença me anima, melhora a autoestima, você se sente muito lindo”. Os elogios vêm carregados de afeto. Percebemos nesse momento um olhar feliz em seu rosto.

A transição mudou sua aparência, o fez homem, quem ele queria ser. O programa (apesar dos contras) veio carregado de elogios. Ele se livra do que é ruim e guarda em seu íntimo as coisas boas.

E é munido dessas coisas boas que ele tenta repassar a diversidade para todos. Ele é um ser humano normal, com dores, amores, vivência. Quer ser enxergado pelo que é de verdade, não pelo que tem, por sua forma. Sempre fala de sua essência, de sua alma, em busca dessa alma ele acredita que podemos modificar a nossa visão de mundo. A diversidade. Explicando para todos, não ser passivo ao preconceito, só assim o mundo vai mudar para melhor.

Um dia pretende viajar o mundo, se mostrar para ele. Para que todos entendam que ele não é e nunca foi um problema. Quer mostrar o que é, e ser quem ele verdadeiramente é. Esse é o seu sonho.

“Sei que há um Deus a me guardar”

Cresceu na igreja evangélica, se afastou, mas nunca tirou Deus do coração, do pensamento, da alma. Em diversos momentos da nossa conversa ele fala de Deus com os olhos brilhando. Sem dúvida entendemos ao final que o seu melhor amigo é ele.

A música chegou como um presente em sua vida, tocava na igreja quando era pequeno. Adorava tocar os louvores, esse foi o primeiro contato com a religião. Hoje não crê mais cegamente em religião, gosta de estudar a espiritualidade de forma geral, juntando com a filosofia e a sociologia. Mas isso não interfere nos seus momentos de expansão do espirito.

Quando toca, transcende o seu universo, agita seus dedos nas notas mais ensaiadas do seu violão. Ali ele clama, pede, agradece, ora, se entrega. São nesses momentos que a presença dele se faz presente em sua vida.

“Ninguém aguenta mais porque eu só toco ela”. Fala ele sorrindo explicando a música que mais gosta de tocar. Essa canção fala de um músico que busca a calmaria, que sente ela. A música se chama Rara Calma do grupo Rosas de Saron.

Segue o primeiro mandamento com fervor: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento”, depois de seu amor a Deus, se ama na mesma intensidade. Vela por sua alma, e tenta preserva-la, ela é de extrema importância[4].

Esse contato com Deus é dele e ninguém um dia será capaz de tirá-lo. Pois em seu olhar está infiltrada toda essa sintonia. A seriedade como trata de Deus, as palavras que escolhe para falar do Senhor, são tão preparadas, tão bem colocadas, que arrepiam. Ficamos contentes em presenciar, em participar e conhecer essa verdade de Kaio. Ele foi a nossa surpresa do dia.

Coragem e desafio, para ele essa é a vida de todo homem trans.

[1] Plataforma na internet para publicações de vídeo.
[2] Programa vespertino que aborda temas recorrentes sobre preconceito, brigas, amores, traições etc. Com o conselho e ajuda de um psicólogo.
[3] Programa noturno, conhecido por abordar temas considerados tabu, mas sempre expõe temas recorrentes à diversidade.
[4] Mateus 22:37, acesso em https://www.bibliaonline.com.br/nvi/mt/22/34-40.

typewriter

Crédito das imagens: Thales Manzano

Capítulo do livro: “Sempre foi ele: histórias de homens trans”

Imprimir

1 Comentário

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

*

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.