Vidas perdidas, outras desaparecidas, crianças desamparadas, pessoas deslocadas, infra-estruturas destruídas, memórias frustrantes, fome e doenças instaladas…acima de tudo, uma região desestruturada, em consequência de ventos fortes e chuvas que se abateram sobre a região Centro de Moçambique e uma parte de África.
A formação do Ciclone Idai, cujo epicentro terá sido no Canal de Moçambique, afectou severamente as províncias de Safala, Manica e Zambezia, também deixou algumas marcas em Inhambane, tendo atravessado fronteira para Zimbabwe e Malawi.
Sobre Moçambique, as autoridades do Instituto Nacional de Meteorologia haviam alertado formação no Oceano de uma tempestade que iria atingir o nível quatro (4), um escalão considerado violento e destruidor. Não deu tempo para a população se precaver do drama, uma vez que o anúncio de tomada de medidas preventivas chega aos cidadãos a menos de cinco dias para a ocorrência da catástrofe.
Inúmeras famílias foram encontradas em contra-pé, nas tradicionais casas de construção precária. A fúria dos ventos fortes e das águas, não poupou este tipo de famílias que nos meandros do meu país, são apelidadas de cidadãos de baixa renda. Palhotas sem conta, foram parcial e totalmente destruídas e agregados ficaram sem tecto, ou seja, ao relento.
Mesmo os empresários de vários ramos de negócio, não escaparam da situação. Estes, assistiram os seus pertences sendo alagados pelas águas das chuvas do Idai, ventos violentes abatendo-se sobre as árvores que caiam em cima das casas, armazéns, escritórios, restaurantes e bares, padarias e outros estabelecimentos socioeconómicos da cidade da Beira, sem poder socorrer o que na altura era flutuante, num cenário total de dilúvio.
Por conta da queda dos postes de energia eléctrica de HCB, o centro de Moçambique conheceu um segundo apagão histórico, depois de 2015 ter se verificado a destruição da linha de alta tensão que alimenta o centro e norte do país, também abatida pelas chuvas daquele ano.
Igualmente, a rede de comunicação telefónica e de internet ficou destruída, deixando toda cidade da Beira isolada do resto do mundo, uma vez que, quem estava fora ou dentro do país, não conseguia obter notícias dos seus familiares por via de comunicação, tendo em conta que a estrada N6, Inchope-Beira, também estava cortada.
A partir de Nampula, minha província de origem e residência, local de onde escrevo este artigo e através dos diferentes órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros, acompanhamos atentamente o desenrolar do fenómeno natural a quando da sua passagem pela região central desta pátria amada e de heróis.
De longe, testemunhamos os verdadeiros heróis vivos que enquanto o ciclone passava eles salvavam vidas que necessitavam de um ombro amigo. Vimos pessoas movidas por espírito e alma, a esquecerem a sua situação para atender o próximo que clamava de socorro.
Nas Televisões e Rádios, nas redes sociais, vimos e ouvimos também que helicópteros sobrevoavam pela região com intuito de fotografar pessoas que refugiaram-se encima de casas consistentes e ou árvore, alegadamente para avaliar o impacto do ciclone, numa vista de cima. Que Pena das crianças entrevistadas pela STV na reportagem do Jornal da noite de 3 de Abril de 2019, na Comunidade de Grudja, em Buzi, que afirmaram com muita dor e tristeza terem visto aproximação de um meio aéreo a fotografa-las penduradas no cimo dum edifício e depois ir se embora, numa altura em que elas esperavam por um salvador, no momento de desespero!
O governo moçambicano sensibilizou-se e lançou vários apelos nacionais e internacionais. A ajuda humanitária não tardou, veio de vários países da África e do mundo, para além da ajuda interna que também veio de todos os cantos.
Mas cá de longe, no norte do país, mais concretamente em Nampula, chegam-nos notícias segundo as quais, algumas pessoas indicadas para a gestão dos donativos, encontraram uma oportunidade de ficar com legado de prosperidade. Há relatos de desvios, pilhagens, até redução das quantidades dos mantimentos nos centros de acomodação ora criados, para depois da época pós Idai, ficarem a adquirir o título de melhores fornecedores de produtos perecíveis e não perecíveis.
Afinal, o que sobrou do ciclone Idai?
O Ciclone Idai provocou mais de 500 mortos, um número ainda desconhecido de desaparecidos, mais de 1 milhão de afectados, inúmeras infra-estruturas destruídas, um futuro incerto para uma população que antes do fenómeno ressentia-se da pobreza.
Hoje, a telefonia móvel, a energia eléctrica, a ligação rodoviária e aéreo, estão restabelecidas, mercê do esforço feito pelo governo e seus parceiros para devolver a vida plena dos cidadãos da cidade da Beira e outras áreas onde o ciclone atingiu.
Hoje, os efeitos do Ciclone Idai são visíveis a olho nú. Crianças que não sabem para onde ir quando o governo desactivar os centros de acomodação, porque o tecto onde viviam foi arrastado e não há vestígios habitacionais, porque estão separados dos pais, uma vez que em alguns casos destes, salva quem poder, deficientes sem acolhimento, famílias que perderam suas culturas, famílias sem-abrigo, alunos sem escolas e nem material escolar (…)
Hoje, sobrou do ciclone Idai, falta de água potável para o consumo humano, doenças epidemiológicas, fome e desespero, num país em que o custo de vida está cada vez mais caro, corrupção tomou conta das pessoas e das instituições que deviam ser o garante do cidadão. Num país em que pesa mais o Eu e não, o Nós.
Hoje, sobrou do ciclone Idai um esforço do cidadão improvável, porque com o aumento das tarifas de energia eléctrica, pese embora as zonas afectadas terem sido tomadas medidas de redução do custo para 50%, dos preços de combustíveis, dos serviços públicos, dos transportes, dos produtos da primeira necessidade, o futuro é ainda desconhecido.
Hoje, sobrou do Ciclone Idai uma total e verdadeira miséria para a população moçambicana, cuja duração pode levar décadas!
Obrigado pelos donativos internos e internacionais, com o Ciclone Idai, a humanidade veio mostrar o compromisso que tem pela vida. Veio mostrar a importância da solidariedade, veio mostrar mais uma vez que no desespero existe esperança.
Obrigado igualmente pelas mensagens de conforto, pelas oracoes religiosas e as da nossa cultura, uma vez que em tempo recorde vieram nos fortalecer e nos dar energias positivas para continuar a reconstruir as regiões assoladas. Em tempos de aflição, todo tipo de apoio é bem-vindo.
A questão de desvio de donativos ou não, cuidaremos nós! o importante foi a contribuição de cada povo perante a este cenário. Sobrou do Ciclone Idai a esperança dos moçambicanos rumo a reconstrução económica e social das regiões severamente afectadas.
Crédito da imagem: FB Gilberto Gomes
Idioma da reportagem: Português de Moçambique