Mulheres, sujeitem-se a seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a igreja está sujeita a Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos.
Efésios 5:22-24
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Chamemos nossa personagem de Maria. Ela é uma senhora simples, com rosto manchado pelo sol impiedoso do Nordeste. Seu semblante é triste. Quando sorri, parece que o faz com certo esforço, como se aquele sorriso não saísse de dentro. Não que seja um sorriso falso, muito pelo contrário. Maria parece acreditar não merecer, simplesmente, sorrir, até das coisas mais banais do dia a dia. Acho que ela sofreu tanto em sua vida, que talvez nem saiba o que é ser feliz.
Dos seus 76 anos de idade, 61 são de seu casamento com um primo. Um casamento arranjado pelas mães dos dois. Casou sem amor e sem poder dizer não. Seu esposo tornou-se pastor, tiveram 11 filhos, dois faleceram. Um morreu com poucos dias de vida; o outro morreu jovem, com menos de 20 anos, assassinado enquanto trabalhava como garimpeiro na Serra Pelada, serra brasileira, localizada no sudeste do estado do Pará, que se tornou muito conhecida durante a década de 1980 como o maior garimpo a céu aberto do mundo.
Aos 16 anos Maria era mãe da sua primeira filha. Lembra-se que quando ela tinha apenas um ano seu esposo quebrou um cabo de vassoura em suas costas. Essa foi a primeira de muitas agressões físicas, psicológicas e morais que sofreu do marido. Um de seus filhos, homem, nasceu com problemas físicos e mentais. São conhecidos os problemas de casamentos entre parentes. Segundo pesquisa do Conselho Nacional da Sociedade de Genética dos Estados Unidos o risco de um casal que têm consanguinidade gerar um filho com deficiência é de 6%. Já em casais que não são da mesma família, esse número cai para 3%. Isso porque pessoas com o mesmo parentesco podem portar os mesmos genes de doenças herdadas de ancestrais.
Segundo Maria, o marido sempre foi agressivo com os filhos, mas com esse que tinha problemas mentais, a relação era bem mais conturbada. Durante anos, mesmo morando na mesma casa, a convivência ficou cada vez pior. Até que certo dia os dois acabaram se desentendendo e partiram para a agressão física. Maria saiu de casa com seu filho e após 61 anos de casada, pediu o divórcio. Ele não deu.
— Ele nunca gostou de mim, minha filha. Ele nunca gostou do meu filho.
Durante a conversa com dona Maria ela conta, em tom melancólico, que uma de suas filhas, que aqui chamaremos de Regina, também evangélica, estava passando pelas mesmas situações com seu marido agressivo.
Resolvemos então tentar marcar uma conversa com sua filha. De inicio, ela não quis dar entrevista. Ficou receosa com a exposição, mas depois de explicarmos que se tratava de um livro-reportagem com fins acadêmicos, Regina se sentiu mais encorajada para falar, principalmente quando soube que sua mãe tinha conversado conosco. Por fim, nos concedeu o relato abaixo:
— Eu nasci em uma cidadezinha pequena, sem muito recurso. Tive muita dificuldade na minha vida. A gente não era uma família rica. Erámos uma família de agricultores. Meu pai é pastor, minha mãe, dona de casa, sempre obedecendo o que ele falava. Fui criada vendo a minha mãe baixar a cabeça para tudo o que o meu pai falava, porque foi assim que o pai dela e a mãe dela ensinaram pra ela. Então eu fui criada assim, pra ser obediente ao marido. Minha mãe dizia que ela não podia falar, se ela falasse, ele batia nela. Uma vez ele bateu na minha mãe, enforcou e quase mata ela. Bateu forte. Mas como a gente era tudo pequeno, não entendia né? Ele fazia isso e a noite ia para a igreja. Pregava, falava da palavra de Deus como se nada tivesse acontecendo, como se aquilo fosse normal. Como se Deus permitisse que ele fizesse aquilo. Como se a minha mãe fosse errada. O que eu acho errado é que, assim, ele chegava, batia na minha mãe, ia pra igreja e ficava dando conselho para casais! Aconselhando os casais, pregando uma coisa que ele não cumpria dentro de casa. Passava uma coisa pra gente dentro de casa e na rua era outra pessoa.
A minha relação com ele não era muito boa. Eu não tinha muita proximidade com ele. A gente vivia com medo. Quando ele chegava, a gente saia. Se estivéssemos na sala, íamos pro quarto. Cada um ia para um canto. Minha mãe ficava esperando ele pra colocar comida, fazer as coisas pra ele. E a gente saía de perto. Ele nunca foi um pai de colocar a gente no colo, dar carinho… A minha mãe sim. Ela sempre foi muito carinhosa, muito atenciosa com a gente. Então eu sinto que eu tive mais amor da minha mãe. Por que quando ele não estava em casa, a gente ria, a gente brincava, a gente se divertia, a gente era criança de verdade. Quando ele estava em casa, todo mundo falava baixo, ficava quieto ou não falava nada.
Quando a gente veio embora aqui para São Paulo, ele veio primeiro. Eu fiquei lá no Nordeste, e ele veio embora pra cá com a minha mãe. Me trouxeram pra cá, eu tinha 13 anos. Eu cheguei aqui em uma semana, na outra eu fui trabalhar em casa de família. Dormia na casa da mulher, via a minha mãe uma vez por semana, porque eu vinha no sábado à noite e quando era no domingo à tarde eu tinha que voltar, porque eu trabalhava longe. Então praticamente eu fui criada longe.
Com 13 anos, eu era uma criança, mas eu já tinha que trabalhar pra ajudar a minha mãe e o meu pai, todo o meu salário eu dava na mão dele. Eu não tive estudo, por que ele achava que a gente não tinha que estudar, que mulher não precisava estudar. Mulher tinha que casar e obedecer ao marido. Ele estudou depois que ele estava aqui em São Paulo, fez vários cursos e fez Teologia também. Então, quando eu conheci o meu esposo, eu achei que ia ser um refúgio, que eu ia sair da minha casa, eu vivia presa, então eu ia ser livre. Que eu ia poder estudar e ia poder sair… Só que eu me enganei.
Conheci o meu esposo, eu tinha 15 anos. Parecia uma pessoa ótima, no começo. Mas quando a gente foi morar junto, que eu engravidei (quando eu engravidei eu tinha 17 anos, tive a minha filha com 18) dois anos da minha vida que foi bom, só. Depois ele me traiu. Alugou uma casa pra gente e arrumou uma amante de frente à minha casa. Foi nessa casa que ele me bateu pela primeira vez, porque eu fui questionar ele, a gente que é mulher não pode questionar o marido mesmo ele estando errado e a gente estando certa. Eu questionei e falei que não ia aceita aquilo. Que ele não tinha o direito de me trair. Ele me bateu, eu cai no chão e desmaiei. Ele falou que era mentira, que eu não estava desmaiada. E a irmã dele morava com a gente, ele me bateu na frente da irmã dele, do irmão e do cunhado. Essa foi a primeira vez. Eu quis sair de casa. Mas como meu pai é pastor e me ensinou que eu tinha que aguentar tudo calada, então eu não tive coragem de sair e nem de denunciar ele.
Talvez, se eu tivesse tomado uma atitude, não tivesse acontecido mais. Mas como eu me calei por medo, isso continuou. Quando eu falei que estava grávida, meu pai disse que eu tinha que ir morar com o pai da minha filha. Disse que já que eu tinha errado, que na época era um erro, a filha de um pastor, nossa, engravidar, era o cúmulo. E o meu pai me recriminou muito, falou que passasse o que eu passasse, não era pra eu deixar o meu marido, que era pra eu ficar com ele. Acontecesse o que acontecesse ele não queria uma filha separada na casa dele.
Então, o que eu entendi… Que mesmo que ele me batesse, mesmo que ele me espancasse, arrumasse outra mulher, eu tinha que ficar com ele. Porque a igreja não aceita uma mulher divorciada, uma mulher separada. Principalmente uma filha de um pastor. Então eu tive que aguentar tudo. Também por medo de voltar pra casa do meu pai. Eu saí de casa como se eu tivesse fugido. Ele falou que era pra eu sair da minha casa como se eu fosse fugir, que não era pra ninguém saber que ele tinha me deixado sair, porque na igreja evangélica se o pastor superior soubesse que ele deixou uma filha ir morar junto com um homem que não era da igreja, não só eu seria disciplinada, como ele seria disciplinado e afastado do cargo da igreja também. Então, eu tive que falar que tinha fugido. Eu fiquei mais de três meses, muito mais, sem ver a minha mãe e sem ver o meu pai, porque eu não podia ir na casa deles.
A minha mãe chegou a ir escondido me ver aonde fui morar, por que mãe sempre dá apoio. A minha mãe conta pra gente pelo que ela passou e parece que eu estou vendo, porque hoje eu passo pelo o que ela passou. Quando eu fui morar com o pai da minha filha, quando eu estava grávida, ele foi começando a mudar. No começo ele não bebia, depois ele começou a beber, a dormir fora de casa, passar as noites fora. Muitas vezes eu dormia sozinha em casa. Vi muitas vezes ele conversando com outras mulheres, quando eu ia falar alguma coisa ele já vinha com ignorância. Me humilhava. Ele não só me agrediu fisicamente. Mas com palavras, com gestos…
Acho que todas as agressões eu sofri. Eu sofro, até hoje. A nossa relação não é muito boa. Eu não sou uma mulher feliz. Ele vive mais no bar, quando chega não me dá carinho, se eu falo alguma coisa ele já reclama que mulher não tem vez, que mulher não fala. Como ele também foi criado no mesmo pensamento dos meus pais, ele também é filho de nordestino, ainda vive naquela época, que a mulher tinha que abaixar a cabeça para tudo. E não é assim, a gente ter que ter vida e eu não tenho. Ele já me abusou muitas vezes. Muitas vezes eu falo que não quero, que eu não estou disposta e mesmo assim ele força. Mesmo eu chorando.
Uma vez eu perguntei pra minha mãe se era pecado eu não querer ter relação. Falei: ‘— Mãe, é pecado se meu esposo me procurar e eu disser que eu não quero?’ Ela falou que achava que era. Que eu tinha que aceitar porque ele era meu marido, então a mulher não pode dizer não. Mesmo ele bêbado e mesmo contra a minha vontade eu tinha que aceitar. E isso aconteceu muitas vezes, muitas vezes mesmo. Como eu vi a minha mãe apanhar, as pessoas da igreja achavam que o erro estava nela. Por que ele lê a bíblia, ele ora, então a gente pensava que o meu pai estava certo. A minha mãe nunca denunciou, ficou calada e até hoje está com ele. Hoje ele não chega mais a agredir ela, fisicamente, até porque os filhos estão todos grandes e não tem mais cabimento. Mas com palavras, nossa…
Até hoje eu vejo a minha mãe sofrer. Eu vi ela esses dias e pela cara dela da pra ver que ela sofre. O medo que ela tem. E você ver a sua mãe depois de tantos anos chegar ao ponto de querer se separar é por que está difícil, não está suportando mais. Suportou muito, suportou até demais. E o meu medo é de eu ficar assim. Porque se até hoje eu estou com esse homem, eu acho que não tenho saída. Eu já estou com 41 anos, não tenho estudo, muitas coisas avançadas…
E às vezes passa na minha cabeça assim: ‘será que seu eu deixar ele, eu vou sobreviver, vou conseguir sustentar meus filhos?’. Porque a minha vida inteira ele trabalhou, hoje a gente trabalha junto, eu trabalho, mas a minha vida inteira ele trabalhou, ele sustentou, ele pagou as contas. Eu não tenho estudo e ele joga na minha cara. Me agride com palavras: ‘Você está velha, está gorda!’ Às vezes eu olho pra mim e sinto vergonha de me olhar no espelho, de achar que ele tem razão, que eu estou velha e feia. Ele fala tanto que você acaba acreditando que é verdade, que eu estou louca e mesmo ele sabendo que você viu aquela coisa, ele fala que você está louca, que é porque eu estou ficando velha.
Eu já amei muito ele. Hoje não. Consequência de tanta coisa que ele fez. A pior lembrança que eu tenho dele (suspiro) foi a primeira vez que ele me bateu. Eu tinha vinte anos. Eu era novinha, minha filha tinha dois anos. O que eu não esqueço até hoje, é o rosto dele. Que eu cai no chão, ele chutou a minha costela e chutou o meu rosto. Eu não era velha, como ele fala hoje, e a minha tristeza maior era que eu era nova e ele não respeitou isso. Ele não respeitou minha filha, pequena, no quarto comigo.
No outro dia, eu tive que esconder de todo mundo. Com vergonha de falar pro meu pai. Eu morava na mesma rua da minha mãe. Eu não pude ir na casa da minha mãe porque eu estava com o olho inchado, com hematoma no corpo. E como eu chegaria na casa da minha mãe, onde meu pai falou pra mim que acontecesse o que acontecesse, eu não podia voltar pra casa, eu tinha que aguentar? E eu não sabia o que fazer. Tinha vinte anos, eu sabia menos do que eu sei hoje, eu não sabia nem escrever o meu nome. Então eu pensei ‘vou deixar ele com a minha filha e vou fazer o quê da minha vida?’ Se naquela época já era difícil de você arrumar um trabalho, e imagina não ter estudo, nem nada. Então era aguentar, né?
Depois a gente se mudou de lá. Fomos morar em outra casa. Daí já fui morar mais afastada da minha mãe. Lá ele me bateu de novo. A gente acordou de manhã e ele me espancou. Deu um murro no meu olho que inchou. E ainda me forçou a sair na rua e ir no mercado. Eu cobrindo o rosto com o cabelo, todo mundo olhando para a minha cara. Mas o pior mesmo foi quando ele comprou a nossa casa, compramos com a maior dificuldade, a gente vivia com pouco, porque só ele trabalhava, mas eu sempre economizava pra ajudar.
Quando ele comprou um carro, mal saía comigo. Vivia dando carona pra todo mundo. Me batia, sem motivo. Se ele chegava em casa e eu perguntasse porque demorou, já era motivo de levar uma mãozada na cara. Já era motivo de ser xingada, ser chamada de feia, gorda, burra, analfabeta, animal. Minha vida inteira que vivo com ele, 23 anos, nunca me fez um elogio. De falar ‘nossa, você está bonita’. Não, é sempre burra, animal, você não sabe nem rir.
Então assim: pra você que é uma jovem, conheceu um rapaz, você tem uma expectativa diferente, você conhece uma pessoa e acha que vai viver bem e de repente aquela pessoa se transforma em um monstro. Eu não sabia como agir. Eu orei muitas vezes pedindo a Deus que mudasse ele. Quantas e quantas vezes orei chorando, pedindo a Deus que mudasse ele, que não era ele, que era o diabo, mas não é.
Hoje, eu tenho outra visão, hoje eu sei que ele que é ruim. Muita gente em volta, de mulheres casadas que passaram por problemas, mas os maridos mudaram, valorizam elas, hoje vivem bem. Ele não. Já passou por muita coisa, já fez muita coisa errada e não muda. Fica cada vez pior. Não tem um dia que eu não durma com medo, principalmente quando ele sai e bebe. Quando chega, meu coração já dói. Chego a esconder as facas.
Depois de um longo silêncio, Regina desabou. Percebi o seu desespero. E não pude, por mais que eu tentasse, não chorar com ela.
— Eu não quero ser mais uma de muitas que tem aí, que sofreu, apanhou, morreu e o homem está aí, impune. Não quero ser mais uma mulher sofredora que não tem estudo, que tem seus filhos, mas morreu e os deixou aí, desamparados. Eu sei que é errado ele falar as coisas e eu abaixar a cabeça, mas eu abaixo porque eu tenho medo, tenho medo de falar um pouco mais alto e ele já me bater.
Porque agredir com palavras, isso aí é todo dia. Todo dia chega com um novo xingamento. Não tem um dia que isso não aconteça. A gente é mulher, sente necessidade de alguém chegar com um elogio, uma palavra boa. Eu não tenho isso, eu não tenho. Tirando os meus filhos, que eu sei que me amam. O triste é que muitas vezes, passei roupa pra ele sair com outra. Dói na gente. Eu sinto que eu estou com as mãos amarradas, sabe? Que eu estou algemada. Eu sei que eu sou capaz de sair dessa situação e vencer, mas eu tenho medo. Eu tenho medo que ele vá atrás. Eu não quero viver fugindo. Eu quero me libertar e viver em paz, poder trabalhar, poder andar na rua.
Hoje, querendo ou não, eu ainda saio, vou ver minhas irmãs. Não saio muito, mas saio um pouco. E eu tenho medo de perder esse pouco e ficar sem nada. Como é que eu vou viver? Não vou poder trabalhar, não vou poder ir pra igreja. Porque eu quero ir pra igreja, até porque eu fui criada vendo minha mãe ir pra igreja. Que mesmo ela sofrendo, era um lugar onde ela ia buscar um pouquinho de paz. Orava, pedia a Deus, até hoje ela pede a Deus para mudar o meu pai. Então, ela tem esse refúgio, mesmo que seja por pouco tempo, mas ela tem. E eu quero isso pra mim. Eu quero estar na igreja para servir a Deus, o Deus que eu conheci, que eu sei que sempre está comigo. Mesmo na dificuldade, quando eu oro, eu sei que Deus está comigo, que Ele me escuta. Sei que às vezes a gente acha que Deus esqueceu da gente, que a gente sofre tanto com marido ruim. Anos e anos sofrendo e ora, ora e continua sofrendo.
Mas também eu acho que tenho que tomar uma atitude. Não só esperar por Deus. Eu tenho que agir. Só que eu tenho medo, tenho medo de tomar uma atitude e me arrepender, ele pode ir atrás de mim ou mandar alguém fazer alguma coisa, eu conheço ele. Conheço muito bem e sei que ele é capaz de muita coisa. Das vezes que ele me bateu, eu achei que ele fosse me matar. A última vez que ele me bateu mesmo, quanto mais eu falava no nome de Deus, mais ele me batia. Quanto mais eu pedia ‘meu Deus, meu Deus’, mais ele me espancava. E essa última vez, eu fiquei sem chão, sem rumo, sem saber pra onde ir, o que eu ia fazer da minha vida. Eu não tinha trabalho, eu não tinha dinheiro. Pra onde eu ia? Bater na porta de um e outro? Chegar com a cara quebrada, humilhada? Fiquei mais uma vez com ele, mas não foi por querer.
Eu sei que eu tinha que ter denunciado ele, mesmo que eu tivesse saído pra morar na rua. Mas eu não sabia a quem recorrer, não sabia a quem pedir ajuda. Porque, no outro dia, a irmã dele veio aqui, me viu com o olho machucado e não falou nada com ele. Então, ele pensou o quê? ‘Eu posso bater nela que ninguém vai fazer nada, ela não tem ninguém’. Ele mesmo fala que quem faz a lei dele é ele. Que ninguém manda nele, nem policial, ninguém. Então como é que eu vou enfrentar um homem desses? Como é que eu vou enfrentar um homem que acha que é Deus?
Eu não sei se vou aguentar por muito tempo. Porque eu já estou chegando em um ponto de fazer uma besteira. De sair e mesmo que ele vá atrás, mas quebrar essas correntes. Nem que eu viva uma semana ou duas semanas. Mas pelo menos eu vou viver esses dias livre, poder respirar, dormir a noite toda em paz, acordar no outro dia sem essa angústia e tristeza no meu coração. Porque o dia que eu fico em paz com ele, já é uma vitória para mim. O dia que a gente senta na mesa, junto com os nossos filhos, para comer, já é uma alegria. Porque foi um dia de paz.
Mas no outro dia já não é, já é briga de novo. Eu não aguento mais. Eu não estou aguentando mais. Eu sei que eu sou falha. Que estou afastada da igreja. Mas não é porque eu não estou indo para a igreja que eu perdi a minha fé.
Ilustrações: Milton Rocha Junior
Capítulo 07 do livro “Reféns da fé: mulheres evangélicas sofrem mais violência?“