É sábado. Juliana e eu, Fernanda, nos preparamos para uma longa viagem até a casa de uma ex-presidiária chamada Bruna. Ela mora em Perus e são algumas horas até chegar ao nosso destino. Conseguimos o contato dela através da Pastoral Carcerária e marcamos de ir conversar sobre o período em que a jovem tinha ficado na penitenciária de Franco da Rocha.
O caminho é longo, algumas coisas passam pela minha cabeça enquanto estamos no ônibus: como será encontrar uma pessoa que já esteve na cadeia? A garota tem praticamente a nossa idade e já carrega uma bagagem dessas. Eu não sabia o que pensar direito, estava feliz, mas ao mesmo tempo com certo receio.
Desde criança eu fui criada naquilo que chamamos de “embaixo das asas dos pais”, não podia brincar na rua sem ter alguém olhando, não podia chegar tarde em casa (o que com o passar do tempo foi melhorando) e sempre ouvi meus pais dizendo que pessoas que cometem ilegalidades tem que pagar pelos seus feitos na cadeia. Passei muitos anos concordando com isso, sem passar pela minha cabeça como era a vida dos presidiários depois que eram trancafiados. Acho que como a maioria das pessoas eu não me dava conta que as coisas poderiam ser bem ruins para eles lá dentro. Quando comecei a fazer faculdade de jornalismo, percebi que as pessoas têm direito até presas e, independente do que tenham feito, podem contar sua versão dos fatos. A partir daí, comecei a querer dar voz aos que são reprimidos pela sociedade.
Ao chegar à casa de Bruna, que ficava situada em uma comunidade, fomos muito bem recebidas por sua mãe, uma senhora com os cabelos tingidos de loiro que era manicure – suas unhas estavam bem feitas com algumas flores desenhadas. Ela aparentemente estava feliz, pois como nos disse, o pesadelo havia acabado. Ao entrarmos, Bruna veio ao nosso encontro e me surpreendeu: era uma menina bem magra, mas muito bonita, seus cabelos presos eram loiros tingidos iguais aos de sua mãe. Usava uma maquiagem um tanto quanto forte: estava com as unhas vermelhas, usava uma regata preta e um short jeans. Bem à vontade. Olhando para Bruna, não dava para imaginar tudo o que passou…
Tudo o que Bruna passou começou em um sábado de agosto pela manhã. Como fazia sempre, foi visitar o namorado no CDP1 de Guarulhos escondida da mãe e se preparou para ficar algumas horas na fila, cerca de quatro ou cinco. Naquele dia faria uma surpresa, levaria um famoso baseado para presentear o amado. Bruna não comunicou à mãe o que faria naquela manhã, o primeiro problema de comunicação que interfere decisivamente no rumo desta história e na de tantas presidiárias.
Escondeu a droga no absorvente e foi rumo a mais uma visita, era a primeira vez que Bruna tentava entrar com algo proibido na cadeia. As revistas sempre foram difíceis, mas o que ela não sabia era que, justo naquele dia, ocorreria o chamado “Plantão Sujo”, mais rigoroso, humilha os visitantes ainda mais.
Depois de ter até que soltar os cabelos para a guarda olhar se não havia nada, ao passar a mão pelas partes intimas da garota, algo estava estranho: foi quando a vida de Bruna mudou totalmente. A guarda da revista chamou todas as outras guardas que estavam por perto e até policiais homens, todos xingando e humilhando Bruna, que se manteve calada, pois sabia que se falasse algo, a situação poderia piorar.
No primeiro momento, os policiais disseram que iriam liberá-la, pois a quantidade de droga era pequena, somente ameaçaram dizendo que se a encontrassem de novo, as coisas ficariam ruins. Entretanto, com a chegada de outra mulher com maior quantidade de drogas, o diretor da cadeia resolveu que deteria as duas.
Ao olhar para o sofá, percebi o semblante da mãe de Bruna bem abatido. Ela estava chorando e muito e nos disse que só de imaginar o que a filha havia passado naquele dia, já ficava em prantos. Perguntamos se ela não preferia ir para outro cômodo enquanto escutávamos atentas a historia de Bruna, mas ela preferiu ficar ali mesmo. Parecia que não queria deixar escapar nenhum detalhe que talvez a filha, por medo, não teria falado.
Bruna continuou contando que os guardas se mostraram muito desrespeitosos e, além de xingar as duas a todo tempo, sabendo que elas já estavam com muita fome, comiam na frente delas as comidas que elas mesmas tinham levado para seus parceiros. Recusaram-se até a dar um copo com água.
Bruna foi então algemada e encaminhada para o 4° DP de Guarulhos. Ao chegar ao que é conhecido como “curral”, percebeu que o lugar, além de pequeno, estava muito sujo e fedido, o banheiro sem condições de uso. Estava muito frio e os guardas se recusaram a entregar a blusa que ela tinha levado e que foi obrigada a tirar ao ser algemada.
Às dez horas da noite, ainda sem ter comido nada, os policiais aparentavam estar em uma festa: comiam pizza e escutavam música em volume bem alto, ignorando a presença das duas mulheres que ali estavam. Dentro do curral havia apenas um lençol em condições deploráveis para dividirem.
Toda pessoa, logo que é presa, tem o direito a um telefonema, que pode ser feito por ela ou por algum dirigente da prisão. Mas, passadas mais de 12 horas do momento do flagra, Bruna ainda não tinha permissão de ligar para casa, sendo privada do direito básico de se comunicar e avisar a mãe, que nessa altura, já estava muito preocupada. É nessas horas que se compreende a necessidade fundamental, ancestral de se comunicar.
Após um tempo, chegaram dois rapazes que ficaram amarrados em um cano, do outro lado do curral, já que mulheres e homens precisam ficar separados. Os rapazes foram detidos ao serem flagrados com uma moto roubada, mas ao pagarem cerca de R$ 1.500 para os policiais, foram liberados. No caso de Bruna, nada podia ser feito, pois como ela foi presa em flagrante dentro do CDP, se os policiais aceitassem dinheiro em troca de sua liberdade, poderiam ser punidos. Alguém poderia comunicar a corrupção, poderia até virar notícia…
Ouvindo tudo aquilo, eu já estava inconformada. Eu sabia que a corrupção dentro e fora dos presídios existia, mas sentir assim de tão perto fez com que eu me envergonhasse ainda mais da polícia brasileira, porque muitos daqueles que são formados para defender as leis não as respeitam.
O banheiro do curral era sujo e não tinha descarga, apenas um balde que os guardas recusavam-se a encher d’água, o problema não era deles. Bruna nos disse que só teve coragem de usá-lo quando não aguentava mais esperar.
Ela ainda não conseguira falar com a mãe, mas conversando com um dos agentes, foi autorizada a telefonar para casa do celular dele. Quando sua mãe chegou à cadeia, Bruna não pôde sair de onde estava e foi com uma grade entre elas que conversaram um pouco. A menina não teve tempo de se explicar, pois os agentes ficavam em cima escutando tudo o que as duas falavam.
Mais uma vez, a privacidade de Bruna foi violada; agora eram quase 15 horas detida e, quando a mãe chegou, não pode ter um momento a sós com ela. Talvez o leitor não perceba o quanto a violação do direito básico de se comunicar livremente é violenta, mas tente pensar que, se agora você pode virar para o lado e dialogar com quem quiser, isso não seria muito difícil na situação carcerária, especialmente feminina.
Transferida para o 1º DP, Bruna passou por mais uma revista, dessa vez quase a “viraram de ponta cabeça”, mas não havia necessidade, ela tinha passado a noite detida e ficou mais quatro horas nessa rede de detenção.
Em outras celas, havia os chamados “pensão”, condenados por não pagarem pensão alimentícia para os filhos. A cela deles era diferente, tinha até televisão, e do fundo do corredor a garota tentava escutar um pouco da novela para se distrair.
A mãe de Bruna não conseguiu ter permissão para visitá-la, chegou ao DP e foi impedida de ver a filha. As carcereiras alegaram que estava muito tarde, tinha passado da hora, mas meia-hora antes liberaram outra mãe para ver uma detenta. Mesmo assim, conseguiu deixar os lanches e bolachas que havia levado, a comida da detenção é mal preparada: arroz sem sal ou salgado demais, sem talheres, as presas improvisavam e faziam colheres usando a tampa de papel alumínio das marmitas, o que acabava cortando suas bocas.
Trinta minutos foi o que separou uma visita da outra, as carcereiras foram implacáveis e não permitiram uma visita, que talvez, fosse só para confortar a garota. A mãe veio de longe e nem isso foi levado em conta. Elas foram proibidas de se ver. Comunicar-se com alguém da família ficava cada vez mais difícil à medida que os dias passavam.
A mãe levou produtos de higiene e uma companheira doou uma calcinha e toalhas para Bruna conseguisse manter o mínimo de higiene, pois antes ela usava a calcinha de dia e à noite dormia sem, pois lavava.
Ao chegar ao CDP, no que as presas chamam de convívio, Bruna ficou dois dias na inclusão, cela onde ficam mais de 30 mulheres com apenas nove camas para dormirem. O chuveiro não estava funcionando, então todas tiveram que tomar banho de torneira num banheiro sujo como os outros. Apenas alguns poucos produtos de limpeza de suas companheiras de cela amenizavam a situação.
Quando chegam ao convívio, as detentas são escaladas para a limpeza do pátio, das celas, banheiros e corredores com os produtos que elas recebem de suas visitas. Como a limpeza é constante, os produtos precisam ser repostos mensalmente. Quando o papel higiênico estava perto de acabar, às pressas enrolavam dez voltas na mão e distribuíram entre as demais, quantidade para uma semana inteira.
Não é curioso que as presas tenham que receber os produtos de limpeza e higiene das próprias famílias? E a diretoria da prisão, não fornece nada? De acordo com Bruna, caso os familiares não levem, as celas podem ficar sujas por semanas. Até algo extremamente necessário como papel higiênico não é fornecido. Quanto mais eu ouvia, mais eu ficava indignada com a situação dos presídios femininos.
Bruna nos contou que quem manda na cadeia são as mulheres do chamado “comando”, são elas que determinam que tipo de comportamento as detentas podem ou não ter. Quem desobedecer as regras impostas, está sujeita a ter a chamada “cobrança”, que consiste em ser agredida pelas “irmãs” com pauladas e sem chances de reagir. As detentas que passam por esse tipo de agressão ficam “queimadas” na vida do crime e não recebem ajuda de mais ninguém caso queiram continuar cometendo infrações.
Por outro lado, muitas vezes quando as presidiárias ficam doentes, são as “irmãs” que conseguem os remédios. Raramente as carcereiras se preocupam em cuidar das enfermas, o que só ocorre em último caso, somente quando as companheiras de cela precisam implorar por mais ou menos 12 ou horas por ajuda ou quando elas percebem que o caso é grave mesmo. Como se pode perceber, a comunicação é uma das coisas mais difíceis no cárcere, e mesmo quando ela ocorre, nada garante o resultado.
Quando uma das companheiras de Bruna tentou se enforcar, não foi levada ao hospital que ficava na mesma rua, não havia escolta para acompanhá-la. Uma vez, jogando futebol, Bruna torceu o pé e teve que ficar com ele inchado por alguns dias. Depois foi levada à enfermaria do presídio, onde passou um dia de repouso, mas não tomou nenhum medicamento para cessar a dor.
As dificuldades de comunicação são muitas. As carcereiras parecem não escutar os apelos de quem está na pior das situações, presa, sem família e muitas vezes sem amigos para ajudar. Nesse caso, a responsabilidade que seria do Estado, fica por conta do crime organizado.
Os “banhos de sol” dentro da cadeia funcionam das oito da manhã até seis da tarde, tempo em que as celas ficam abertas para que as presas possam interagir. Bruna, muitas vezes, preferia ficar dentro da cela, não saía para conversar com ninguém, sentia um ódio enorme ao pensar que pessoas que entram com maior quantidade de drogas não são pegas e ela, por um deslize, tinha sido condenada. Na maior parte do tempo, Bruna comunicava seus ódios somente a si mesma. Inegavelmente, o banho de sol é o melhor momento da vida carcerária; porém, o silêncio depressivo é muito comum, e assim como Bruna, muitas preferem se isolar e ficar incomunicáveis.
A penitenciária de Franco da Rocha, onde Bruna ficou detida, é conhecida como “Franco do osso”, pois lá muita coisa é barrada nas visitas, como espelhos, não permitem que os familiares levem farofas e alguns tipos de frutas como maçãs, peras, laranjas, pois acreditam que possam ser escondidas coisas no meio. As frutas são entregues pelos próprios agentes penitenciários, mas na maioria das vezes estão podres. Quando a bola de futebol caia fora do presídio ou furava, demorava meses para que fornecessem a única distração das presas. Muitas vezes as bolas eram barradas na visita, e só podiam entrar se fossem murchas. As detentas iam enchendo as mesmas com a boca, o que demorava algumas horas.
Além disso, as revistas são bem humilhantes. A mãe de Bruna precisou de muita paciência para não retrucar as agentes que a provocavam a todo instante. Abaixava de quatro ou cinco vezes na frente no espelho para verem se não estava levando nada nas partes íntimas. Para ela, esse momento era um dos mais cruéis da visita, mas não podia dizer nada para não se complicar.
Bruna nos pede licença para acender um cigarro, vai até a pia e começa a tragar. A mãe toma a frente da história e nos conta que o marido não quis saber da filha no tempo em que ela ficou pesa. Ele teria ficado muito triste, mas não queria demonstrar sua decepção com a atitude da filha. Para o pai, interromper o contato com ela foi a maneira de expressar seus sentimentos.
Olhando para Bruna com sua mãe, que agora já estava fumando junto à filha, deu pra perceber que a menina era tratada com muito carinho e que a mãe tentava fazer todas suas vontades. Alegou que era contra o namoro de Bruna, mas a menina deixou bem claro que continuaria com o namorado, agora em liberdade. Ao que tudo indica, a mãe sempre manteve um diálogo muito aberto com a filha, mesmo assim Bruna, as vezes, preferia contrariá-la.
Quando Bruna voltou a sentar-se perto de nós, começou a contar o que pra mim foi uma das piores coisas que ouvi: ela nos disse que as presas que não se comportavam como deviam eram levadas para uma cela separada das demais e lá apanhavam. Na época que Bruna estava na prisão, teve um caso de uma companheira que ficou três meses na “solitária” e lá apanhou tanto que chegou com o olho quase preto de tanto socos que levou, a veia ocular estava quase para fora. O mais curioso é que as presas não apanham de mulheres e sim dos agentes masculinos, altos e fortes, conhecidos como armários.
Ficar presa, já é algo muito difícil, mas quando quer a detenta ainda pode conversar com suas colegas. Agora, ficar isolada em uma cela, sem ver ninguém, apanhando todos os dias e se alimentando somente a pão e água, é o ápice da solidão e terror que uma pessoa pode suportar dentro dos presídios.
Há uma divisão dentro deles: as mulheres que matam, estupram ou cometem algum ato contra crianças, não ficam juntas com as que foram presas por tráfico de drogas, por exemplo. Cada grupo no seu canto. No tempo em que ficou lá, Bruna nunca viu nenhuma briga entre os dois lados, lados que praticamente nunca se comunicam.
Os guardas que vigiam as presas também são homens, e por isso elas não podem usar roupas muito apertadas nem decotadas, mas mesmo assim, às vezes, eles ficam olhando e passando a língua sobre os lábios quando elas passam. Porém, quando há alguma briga no pátio eles não relutam e atiram, ou para cima ou um pouco distante das presas, para assustá-las e dispersá-las. Os agentes se comunicam com as presidiárias da pior maneira possível: submetendo-as.
Durante um ano e seis meses em que ficou na prisão Bruna passou por momentos muito difíceis, principalmente nos finais de visita, quando tinha que se despedir da mãe. A garota tentava se fazer de forte mas, no fundo, sentia seu coração apertado e queria que aquele momento do abraço durasse por muito mais tempo. A comida era algo que realmente incomodava Bruna, pois além de ser servida de qualquer jeito e sem gosto, muitas vezes vinha com fios de cabelo e pedaços de unhas e pêlos.
O pior dia para Bruna dentro da cadeia foi a passagem do ano 2013 para 2014, pois as celas fecharam mais cedo e ela teve que ficar ouvindo os fogos de artificio de longe, pensando naquele momento que só queria estar com sua família.
A passagem do ano é um marco para a maioria; fazemos festa, as pessoas se abraçam, têm conversas longas, as famílias se reúnem e se divertem. Por mais que quisesse, naquele momento, nada disso estava no alcance de Bruna. Novamente, não podia comunicar o incomunicável.
As amigas feitas dentro da cadeia não foram muitas. Das mais de 200 presidiárias, a menina ficou mais próxima de sete, e pretende dar continuidade às amizades. Bruna nos disse que sempre procurou ser muito generosa dentro da cadeia, e quando via que uma companheira não tinha o que vestir, ou comer, compartilhava e assim recebia a mesma bondade quando algo lhe faltava.
A comunicação com as pessoas aqui de fora foi difícil para Bruna, pois as cartas que deveriam chegar em três dias, demoravam no mínimo sete, e algumas chegaram depois de três meses de enviadas. Os guardas costumam ler as cartas antes de liberá-las para as detentas e houve uma ocasião em que Bruna não recebeu a carta que o amigo lhe mandou. Essa carta foi barrada, mas não continha nada de comprometedor.
Não foi só Bruna que teve correspondências barradas, muitas de suas colegas nunca receberam cartas, mesmo os parentes alegando que enviaram. Para ela, o que os policiais querem é excluir as detentas do resto do mundo e impedir que elas saibam o que está acontecendo fora dos presídios. Mesmo assim, Bruna contou que consegue se comunicar através de cartas com as colegas que ainda estão na cadeia. Nessas e outras situações, são os guardas e agentes que determinam se as presas vão se comunicar com o mundo utilizando critérios bem subjetivos.
Muito emocionada, Bruna nos relata o dia 07 de fevereiro de 2014, em que teve sua liberdade concedida e sentiu um alivio tão grande ao cruzar a porta do presídio que se ajoelhou e beijou o chão. Encontrou com sua mãe e foram juntas para casa. Ao acordar em sua cama no dia seguinte, Bruna ainda pensava que era um sonho.
Depois que saiu da prisão, ela pôde perceber quais eram as verdadeiras amizades, pessoas que estavam próximas e viviam sempre com ela, hoje viram a cara. A mãe teve suas clientes reduzidas a menos que a metade e hoje alguns vizinhos também não a cumprimentam.
Alguns costumes que adquiriu na cadeia ainda continuam, como tomar banho gelado, arrumar a cama e tentar descascar suas laranjas, coisas que não fazia antes de ser presa. Bruna, claro, afirmou que não deseja de forma alguma voltar para a detenção, e se arrepende amargamente do dia em que tentou entrar com algo ilícito na cadeia. Ela era uma menina que tinha tudo dos pais e pela omissão de uma informação, mudou seu destino. A garota sabe que o olhar da sociedade para ela não será mais o mesmo e que vai enfrentar muito preconceito de agora em diante. Ela pretende esquecer os meses detida, arrumar emprego e tocar a vida.
Quando foi nos acompanhar até o ponto de ônibus, longe de sua mãe, Bruna revelou que já havia corrido da polícia uma vez desde que saiu da prisão, era um baile funk, e houve confusão com algumas pessoas. Como estava perto, resolveu correr.
Tempos depois, descobrimos que Bruna tinha conseguido um emprego, mas que não havia ficado muito tempo nele. Telefonamos para a mãe dela, que como sempre, foi muito atenciosa e nos forneceu o novo número de celular da filha. Porém a última ligação para Bruna foi breve, e um tanto quanto seca, ela não quis dar muitas informações de como estava, parecia que algo tinha mudado, e talvez por medo, arrependimento de tudo o que contou ou até pelo fato de querer esquecer a história que viveu dentro da cadeia, ela já não queria mais se comunicar conosco.
Trata-se de mais uma entre tantas dessas histórias marcadas pelo corte na comunicação: diálogos não realizados, cartas que não chegam, pessoas que param de falar com a gente. Ruído, como define a teoria da comunicação, numa expressão insuficiente para os incontáveis motivos para se comunicar ou não.
Por isso não ficamos sabendo como continuou a trajetória de Bruna, mas aqui termina a história de Bruna conosco.
Crédito da fotografia: Autoras
Capítulo do livro “COMUNICÁRCERE: A incomunicacão nos presídios femininos de São Paulo“