Amor bandido

publicado na Ed_09_out/dez.2018 por
“Então louve, simplesmente louve, “Tá” chorando, louve, precisando, louve. “Tá” sofrendo, louve, não importa, louve. Teu louvor invade o céu.”
Com muito louvor – Cassiane

A vida tranquila de manicure não pareceu ser o suficiente. Ester se deparou com o amor no caminho que escolheu traçar. Mal sabia que esse mesmo amor a colocaria em uma cilada. Quem não conhece o símbolo do yin-yang? Aquele círculo metade preto e metade branco. Na parte branca há um pequeno círculo preto, e na parte preta um pequeno círculo branco. No sentido mais subjetivo, significa que há sempre o mal no bem e o bem no mal, seria assim a definição da cilada de Ester? Porque sinceramente, na bondade do amor dela, o mal caminhou de mãos dadas o tempo todo.

Com pesar, Ester me contou sobre a primeira vez que foi visitar um presídio masculino. Na época, era uma diaconisa – servente do senhor, que faz missões dentro da igreja e leva a palavra de Deus fora dela. A pedido de uma senhora, foi levar a palavra para o filho dela, preso por crimes como tráfico e homicídio. Ao chegar lá, de cara
se apaixonou.

— As pessoas falam que não existe amor à primeira vista! Mas existe sim!

Moreno, alto, bonito e sensual, ele não foi a solução para os problemas dela.

As tatuagens mal feitas nos músculos passavam despercebidas e eram indiferentes, pois Ester nunca gostou de tatuagem. Mas os olhos castanhos, eles sim chamaram sua atenção, a pele morena como chocolate também foi saboreada. Mas a paixão avassaladora dos dois logo foi deixada de lado pelas dívidas que precisavam ser pagas com drogas. Quando perguntei o motivo de ter levado a maconha a ele, com olhar baixo, arrependida, ela disse:

— A lábia! Ele pediu, e eu falei que não, insisti dizendo não. Ele disse que estava com dívida, que tinha de pagar e não tinha outro jeito. E eu acabei… cedendo.

Se é dos “carecas que elas gostam mais”, eu não sei. Mas Ester gostou e se apaixonou perdidamente por ele. Os cabelos cor de vinho de Ester realçam a pele clara que encaixou perfeitamente com o tom chocolate da pele dele. Como o yin-yang, eles eram nuances de uma mesma coisa, o mal habitando uma pitada de bem, e o bem carregando consigo a dor que era ter se envolvido com o mal.

Depois de dois anos o visitando e, na maior parte do tempo, levando droga, aos 37 anos, Ester foi pega, no ônibus, em um domingo qualquer. Ela teve a chance de mentir e dizer que a droga não a pertencia, mas optou pela honestidade, característica essencial que usa para se definir.

— Senti muita tristeza, mas eu sabia que isso iria acontecer um dia, e ele me impôs certo medo, ele sempre precisava de mais, e eu tinha medo que acontecesse algo aqui fora comigo ou até mesmo… — a respiração pesada — com meu filho.

Quando foi condenada há três anos e meio, o filho, Gabriel, tinha 12 anos, e Ester perdeu parte da adolescência dele. Hoje, com 24 anos, o garoto é rebelde e vive na vida de balada. Ester precisa carregar consigo todos os dias o peso de suas consequências, ela acredita que a rebeldia do filho é fruto dos atos cometidos quando foi presa, da ausência dela como mãe.

Eu já vejo diferente, acredito que cada pessoa é responsável por suas escolhas, e ao ver a vida tranquila que essa mulher leva hoje, a manicure e vendedora ambulante
— como se autodefine — de produtos de beleza e lingerie, a força de vontade para dar a volta por cima e principalmente a fé em Deus, presente em cada respirar, enxergo que ela não teve culpa nenhuma na vida que o filho escolheu. Essa vida inconsequente é fruto das próprias escolhas dele, escolhas essas que podem ter consequências terríveis.
Só resta a Ester rezar todos os dias para que ele saia dessa vida antes que as consequências cheguem.

Uma das mais velhas de sete irmãos, não teve antecedentes criminais na família. Foi a primeira e espera ser a única. No Centro de Detenção Provisória (CDP) de Franco da Rocha, onde cumpriu pena por tráfico de drogas, andava de um lado ao outro com a Bíblia embaixo do braço e em momento algum largou seu fiel amigo: Deus. O parceiro só esteve com ela no primeiro momento, moveu céus e terras para que ela recebesse o primeiro kit de higiene, com toalhas, papel higiênico etc. Mas, após algumas trocas de cartas, Ester entendeu que não poderia seguir em frente se continuasse com os mesmos erros.

Temente a Deus, ela abandonou o parceiro e se segurou àquele que nunca a abandonou, Cristo. Na prisão realizava cultos para detentas e era chamada para apaziguar brigas com palavras de conforto vindas do Senhor. As Bíblias em cima da mesa deixam claro que o amor por ele não tem fim, e digo mais, ele é o sustento para que ela não caia em tentação diariamente. Eram perceptíveis as cicatrizes internas, mas nos olhos dela… Nos olhos dela a luz brilhava por alívio de ter se livrado do tempo que passou em cárcere. Tive certeza que aquela Ester, de 37 anos, foi deixada para trás e deu lugar a uma nova mulher.

Nos três anos e meio que ficou presa, Ester dividia a cela com cerca de 40 mulheres. Relembrando os dias de aperto e desconforto, ela mostra que dormiam uma em cima da outra: “O braço tinha de ficar para trás, porque na frente estava muito apertado”. Ao ser questionada se a mulher é abandonada lá dentro, Ester rapidamente respondeu:

— Se as pessoas que estão aqui fora, que têm direitos e são pessoas do bem, são abandonadas, imagina as pessoas lá dentro!

Na cadeia, só não passou necessidade porque a família levava tudo. Aqui fora, foi abandonada pela igreja Paz e Vida, a qual pertencia antes de ser privada de liberdade, não recebeu visitas na cadeia e nem ajuda quando já estava do lado de fora, e a mãe estava prestes a partir. Depois da mãe de Ester sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) e ficar no hospital, a nova denominação religiosa, Adventista do Sétimo Dia, a qual pertence hoje, os acolheu e ajudou ela e sua família no leito de morte da mãe.

Hoje, aos 49 anos, Ester continua temente a Cristo, porém em outra denominação. Foi abandonada três vezes durante a sua vida: a primeira quando o filho ainda era bebê e o parceiro foi embora; a segunda quando seu amado preferiu continuar na vida do crime a estar com ela; e a terceira pela sua antiga igreja. Ester só não foi abandonada por Jesus, que esteve com ela e com sua família nos piores momentos, e agora é a vez de Ester retribuir o amor e não abandoná-lo.

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Capítulo do livro: “O sol não é mais quadrado: a vida de ex-presidiárias na sociedade”

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