Quando escreveu sua Dissertação de Mestrado em 1981, defendida no início de 1982, o então estudante – e futuro professor – do CJE Edvaldo Pereira Lima tinha um propósito claro em mente: contribuir para o avanço do conhecimento no seu campo de pesquisa, o jornalismo, com uma proposta inovadora.
“O meu nicho de interesse estava centrado na questão epistemológica dos alicerces filosóficos do jornalismo”, rememora. “Estava claro para mim o envelhecimento acelerado dos paradigmas que governavam o olhar do jornalismo na sua percepção do mundo e na sua mão condutora do modo como atuava, levantando fatos, acontecimentos e interpretações, buscando exercer sua função nobre de trazer informação, análise e conhecimento para a sociedade”, elabora.
“Acontece que já vivíamos o início de uma extraordinária revolução dos paradigmas norteadores da ciência, em várias áreas. Na física, a mãe de todas as ciências, a mecânica quântica ganhava espaço, trazendo à tona os limites dos modelos reducionistas e mecanicistas de entendimento da realidade. Na esteira da contracultura que havia sacudido os Estados Unidos anos antes e se espalhado pelo mundo, novas propostas influenciavam o emergir de atitudes transformadoras nas fronteiras de vanguarda da ciência, como o crescimento da multidisciplinaridade e o surgimento da transdisciplinaridade. O pensamento norteador da pesquisa saía de uma base simplista para uma outra, a da complexidade. Mas o jornalismo continuava lendo o mundo do final de Século 20 com as lentes embaçadas da ciência linear e cartesiana do Século 19”, continua.
Como desejava, mais do que simplesmente traçar um mapa de cenário, contribuir com uma solução aplicável ao rejuvenescimento do olhar do jornalismo sobre a realidade, encontrou nas aulas de pós-graduação da ECA um caminho promissor.
“O professor Flávio Queiroz de Moraes Júnior conduzia uma disciplina sobre a Teoria Geral dos Sistemas, sugerindo sua utilidade para os estudos em comunicação social. Percebi de imediato o potencial da visão sistêmica para o jornalismo. Com o aval do meu orientador de mente muito aberta e sintonizada com o novo, o professor Gaudêncio Torquato, que já havia travado algum conhecimento com o enfoque sistêmico no mundo corporativo e algo ainda rudimentar no jornalismo empresarial, entrei fundo na questão. Desenvolvi um modelo sistêmico aplicado ao jornalismo”.
O que o então jovem pesquisador desconhecia é que seria muito difícil levar essa proposta para fora do campus da USP. Era sua intenção, desde o início da carreira de pesquisador, produzir trabalhos na academia que pudessem ser traduzidos em livros para o público externo. Mas talvez porque seu trabalho não seguia as linhas de pensamento conceitual em vigor nos estudos de jornalismo, ou porque achassem a proposta muita avançada para a época, sem público em vista, nenhuma editora brasileira se interessou pela obra. Mas a Trillas, do México, lançou uma edição em espanhol, que acabou sendo adotada por alguns anos em cursos de jornalismo no mundo hispano-americano e pelo menos em um na Espanha.
A crise de identidade e a pressão transformadora que se abateu sobre o jornalismo mais recentemente, porém, a área se vendo pressionada a se reinventar e a se renovar, despertou no professor – agora aposentado pela USP, mas ativo de modo independente fora dela – o entendimento de que sua proposta conceitual e prática está mais viva do que nunca, o setor hoje provavelmente mais receptivo a ideias inovadoras como a sua.
Capa e contracapa do livro “Jornalismo para um novo tempo”,
de Edvaldo Pereira Lima
“O jornalismo como objeto de estudo é mais precisamente conhecido quando o vemos sob a perspectiva sistêmica”, comenta, “assim como a prática jornalística ganha qualidade quando insere o foco sistêmico na cobertura de qualquer área, e especialmente em ciência e tecnologia, meio ambiente, sustentabilidade, economia, comportamento”, acrescenta.
A absorção da base sistêmica rendeu frutos ao professor. É um dos alicerces do que desenvolveu a partir de sua Tese de Doutorado, a proposta conceitual inovadora do Jornalismo Literário Avançado, e do seu método de escrita criativa, o Escrita Total. Além da incorporação dessa visão à sua produção acadêmica, faz parte do seu método de produção de narrativas em livro para o grande público, particularmente em biografias e ensaios pessoas. É um dos elementos de sua obra mais recente, por exemplo, Joelmir Beting – o jornalista de economia mais influente da história do Brasil, lançada em maio último.
“Tenho muito orgulho e muita gratidão por tudo isso ter acontecido a partir do CJE, da ECA e da USP, como parte do nosso compromisso, como universidade pública, de contribuirmos para o avanço do conhecimento, beneficiando a sociedade. Por isso mantenho no livro os agradecimentos que inseri na Dissertação de Mestrado, incluindo ali funcionárias da Secretaria da Pós-Graduação, meu generoso orientador Gaudêncio Torquato, que me proporcionou liberdade intelectual para ousar inovar, o professor Flávio Moraes – já falecido – , pioneiro na aproximação entre o conceito de sistemas e a comunicação, e a professora Sarah Strachman Bacal – também falecida -, mentora que me fez ver que o meu caminho na vida profissional envolvia dar vazão a um potencial de docente e pesquisador que teria como primeiro passo cursar a pós na ECA”.
O livro, coeditado pela Editora Casa Flutuante, está à venda, tanto na versão impressa sob demanda, quanto e-book, nos sites da Loja Bok2, Amazon, Estante Virtual, Submarino, Americanas, Shoptime e Mercado Livre.
Crédito da capa: Israel Dideoli, com Pixabay License
Texto originalmente publicado em: CJE USP (Jornalismo e Editoração USP) 12 de julho de 2021. Disponível em: http://www.usp.br/cje/index.php/2021/07/12/dissertacao-visionaria-de-professor-do-cje-vira-livro-40-anos-depois/
O livro impresso ou digital (ePub) você encontra aqui: https://editoraflutuante.com.br/livraria/jornalismo-para-um-novo-tempo/