Esse tal Riocore (parte 04)

publicado na Ed_13_out/dez.2019 por

Nasce um fenômeno

“Eu não acreditava na força do Forfun”, disse o ex-produtor de eventos Luiz Carlos Rosa, recordando o primeiro show que fez com a banda. Era um domingo, última semana dos recessos escolares de julho de 2004, com o tema Aproveite suas férias até o último instante. O evento aconteceu na extinta casa de show Ballroom, no Humaitá, espaço tradicional na época. Naquela noite, Carbona e Ramirez já haviam se apresentado. No meio da apresentação da terceira banda, Leela, os garotos na plateia já estavam desesperados porque as mães, preocupadas com a hora, ligavam querendo busca-los. Luiz lembra de ver gente a sua frente aos prantos, chorando apoiados na mesa de som. Ele e o produtor tiverem de ficar atendendo às ligações para justificar que a festa tinha acabado de começar e elas podiam se acalmar. Quando os astros da noite finalmente subiram ao palco, a equipe ficou impressionada ao ver mais de

2.000 jovens pulando entusiasticamente, gritando as músicas em total frenesi. “Aí eu senti firmeza”, rememora, e sentiu que deveria ir até eles depois, nos bastidores e dizer “Vocês são espetaculares, entenderam? Talvez eu possa até estar errado, mas acho que vão ter um caminho de luz para sempre na vida de vocês”.

O renomado produtor musical Liminha passou pela mesma experiência de ser surpreendido pelos rapazes. Na época, Guilherme Araújo estava empresariando a banda e notava certo amadorismo neles, e na cena como um tudo, por isso pensou que alguém com certa bagagem musical e experiência na área os levaria ao profissionalismo ideal. Por meio de uma outra empresária com quem tinha amizade, conseguiu convencer o ex-Mutante a assistir uma apresentação no Garden Hall, na Barra da Tijuca. Do mezanino da casa, Liminha ficou impressionado com o que viu, sentiu que estava numa bolha da qual nada conhecia. A banda nunca tinha tocado na rádio, nunca apareceu na televisão, e estavam lá com os ingressos esgotados, sendo tratados como verdadeiros Pop Stars. O empresário dos rapazes sabia que a reação seria mais ou menos essa, pois os shows eram “Um encontro de amigos e uma grande experiência de entrega, de emoção, de cantar, de pular, de ser feliz. As pessoas eram muito felizes ali”.

“Mais do que a técnica, por vezes limitada, de bandas jovens de Punk Rock, acho que

ele gostou foi da vibração, da performance, da resposta da galera. Notou, na minha opinião, que ali tinha algo bacana a ser lapidado”, observa Rodrigo Costa, baixista do grupo. Desde a primeira demo, Das pistas de skate às pistas de dança, o Forfun conquistava um público apaixonado por onde ia. Era assim no Rio de Janeiro, era assim nas outras cidades e estados. Deste modo, mergulharam com Liminha no estúdio do produtor, o Nas Nuvens, e de lá saíram com Teoria Dinâmica Gastativa, o primeiro de estúdio dos rapazes, que foi lançado e distribuído em 2005 pelo selo Super Music. De acordo com a reportagem da Folha de São Paulo na época, o selo, em parceria com a Universal Music, foi criado especialmente para impulsionar o grupo, que vendeu mais de 6.000 cópias naquele mesmo ano de acordo com o jornal.

O álbum se tornou um dos precursores da cena carioca, à frente de outras bandas que davam também, alguns antes deles, os primeiros passos no relacionamento com gravadoras, como Emoponto, Dibob e Darvin. “Acredito que este feito é consequência do esmero de Liminha e do Victor Farias, técnico de som do estúdio, em pegar aquelas músicas que soavam toscas, mas tinham fórmulas boas, em produções de mais alto nível, tornando-as verdadeiramente radiofônicas, dinâmicas, bem timbradas, etc. Coisa que na época era novidade para a nossa ‘turma’. Acabamos dando um salto de qualidade que nos alçou a outros patamares, ao trabalhar diariamente com pessoas da mais alta qualidade no que fazem e tendo padrões mais elevados”, argumenta o baixista.

No decorrer de sua trajetória, a banda passeou por estilos tão diversos que surpreendiam os fãs a cada álbum. Polisenso foi o primeiro do grupo a dialogar com variações de Reggae – Vitor Isensee saiu da segunda guitarra para assumir sintetizadores e programação de efeitos – e a adotar uma postura mais crítica, buscando certa espiritualidade, questionando os valores e comportamentos da sociedade. Em Alegria Compartilhada, já muito distantes do Pop Punk inicial, misturaram tudo com Rap e Samba, o que lhes rendeu a vitória no Prêmio Rock Show de 2011 na categoria Disco do Ano. No último trabalho, Nu, trouxeram toda a diversificação mais uma vez, e ainda voltaram um pouco para o Hardcore. “Eles sempre se reinventaram”, disse Thiago Calviño. O baterista, já quando a sua banda, Asterisco Zero, tinha acabado, passou um período sendo produtor de estrada do grupo, de quem também sempre foi muito amigo. “Uma coisa que eu posso dizer foi que eles viveram muito isso, se dedicaram muito. Toda aquela parte de evolução deles, que eu acho que também fez muito com o que o público se mantivesse fiel, era a verdade deles. Eu cansei de chegar no estúdio dizer ‘Meu Deus do céu, o que é que vocês estão fazendo, cara? Vocês estão indo por outro caminho’. Eles amarradões respondiam ‘Não é, cara?’”.

O Forfun foi, sem sombra de dúvidas, a maior banda surgida no circuito de Rock da

época, ainda que tenha passado por todas essas mudanças – e talvez inclusive por isso mesmo, como disse Thiago. Sempre que se fala nesse período, estão como o primeiro nome mencionado na lista de músicos, produtores e fãs. As páginas de fã-clubes mais ativas ainda hoje são dedicadas a eles, assim como o nome das festas que relembram aquele tempo remetem a seus trabalhos. Para Mateus Simões, do Phone Trio, além do carisma e da autenticidade, sempre chamou atenção o quanto eles eram “de bom coração”. “Sempre pensaram nos outros, chamavam banda para abrir, mesmo que não tivesse nada a ver. Eles gostavam e chamavam. O Danilinho me abraça toda vez que me vê, ele não aperta a minha mão. Não estavam nem aí com o que diziam sobre as músicas deles serem bobas, no início. Eles faziam o que eles queriam fazer, chegavam do jeito que gostavam de se vestir, são assim até hoje. Estavam no lugar certo, na hora certa, mas tocavam com qualidade, preocupados com o som, queriam só fazer amigos e bola pra frente”.

Quando o grupo acabou, em 2015, não foi sem polêmica. Danilo, Vitor e Nicolas seguiram juntos em outra banda, a BRAZA, enquanto Rodrigo seguiu carreira solo e depois se envolveu em outros projetos e grupos. Os fãs acreditam que essa ruptura não foi simplesmente artística, e sim por divergências ideológicas e políticas, que teriam gerado uma série de desentendimentos dentro e fora da banda. Num primeiro momento, os artistas evitaram entrar em discussões ou dar explicações mais detalhadas, mas já em meio às campanhas presidenciais deste ano, o baixista declarou abertamente seu apoio ao candidato Jair Bolsonaro. Nada disso, no entanto, apaga a trajetória do quarteto. Calviño garante que eles sentem muito orgulho de todo que fizeram. Rosa, apesar de achar que o Liminha tentou, sem sucesso, fazer deles um Cidade Negra, acredita que se eles decidirem voltar em algum momento, é certo de que encherão a casa novamente, colocando a galera para pular e suar como sempre fizeram. “A vibe deles são eles mesmos. É Forfun, é para se divertir. O Forfun vai ser Forfun sempre”.

typewriter

Crédito das imagens: Pixabay License

*Texto construído a partir do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Esse tal de Riocore: uma grande reportagem sobre o cenário Pop Punk e Hardcore carioca dos anos 2000”, apresentado em dezembro de 2018 à Universidade Veiga de Almeida.
Imprimir

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

*

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.