Adeus e até logo
Entre 2006 e 2008, a cena nacional estava no auge. Músicas no rádio, programas de televisão, trilha sonora de novela adolescente, premiações. No Rio de Janeiro, Darvin lançava álbum homônimo pela EMI e Emoponto chegava com o disco Incondicional pela Universal Music. No ano seguinte, Dibob apresenta A ópera do Cafajeste pela Som Livre, Scracho e Catch Side estreiam, respectivamente, com A grande bola azul e O sonho não acabou, ambos independentes. Enquanto isso, Forfun, Fresno, Hateen, NX Zero e Moptop, bandas de certo modo diferentes entre si, mas unidas pelo contexto, foram reunidas no projeto MTV ao vivo: 5 bandas de Rock. Em seguida, quando Darvin explode com o single Pensa em mim e Forfun inova com Polisenso, Emoponto anuncia turnê de despedida e lança o último CD, Trilogia parte III, apenas em formato digital. Dali em diante, percebe-se que cada qual seguiu seu próprio caminho. Uns buscavam formas diferentes de fazer o mesmo som. Outros se experimentavam por novos gêneros e surgiam com propostas cada vez mais distantes do Pop Punk original. “Uma busca egoísta, mas necessária”, diria Caio.
Cabe fazer uma analogia com as estratégias dos sufistas para pegar a melhor onda. Eles chamam de arrebentação a linha do mar onde as ondas quebram, e quem está na prancha precisa ficar atento sobre seu posicionamento para encontrar o momento certo de entrar antes que ela se desfaça. Está bem no fundo, na origem a melhor de todas. Apenas os mais persistentes conseguem passar pela arrebentação, no surf como na música. Muitas bandas começaram sem que conseguissem dar os próximos passos, foram levadas pela maré. Isso não significa que eram melhores ou piores, pois a questão é que realmente não dá para todo mundo, como diz o baixista do Scracho: “Olha, a arte é assim. Ela, apesar de ser democrática, não necessariamente é justa. E na verdade não é nem questão de justiça, é questão de conexão”.
Mesmo conscientes de que estavam próximos do fim, Scracho e Forfun eram os únicos que ainda seguiam estabelecidos. Não precisavam mais de festivais, esgotavam bilheteria sozinhos, enquanto outros viviam entre longas pausas ou num compasso mais arrastado de apresentações e novos trabalhos. Foi então uma surpresa para os fãs quando, em maio de 2015, Caio, Dedé e Diego anunciaram que cada um iria atrás de seus projetos individuais, depois de 11 anos de carreira. Em menos de duas semanas, outro golpe: Forfun também encerrou o ciclo que durou 14 anos, comunicando a todos também pelas redes. O lamento veio por ambos, inclusive de músicos que cresceram juntos. Ainda que cada um dos grupos tivesse seus motivos particulares, para o público, não poderia ser uma mera coincidência: era um sinal de que estava na hora de seguir em frente.
Todos sabiam que não iriam cantar para sempre músicas de adolescente, nem o público seria forever young. A euforia inicial teve de ceder espaço para que os dois lados amadurecessem gradualmente. “A vida é feita de ciclos”, disseram os integrantes da banda Darvin, “O Rio de Janeiro não ia ficar para sempre tendo shows lotados com as mesmas bandas e os mesmos milhares de adolescentes todo final de semana. Esse foi o ápice de uma época específica. O público foi migrando para outros estilos, algumas bandas acabaram, mas outras, como nós, seguem resistindo”. E vive hoje essa geração, mais em clima de nostalgia, de saudosismo dos tempos de escola. Alguns ex-membros destas mesmas bandas se reuniram para fazer novos grupos musicais, caso das bandas BRAZA, Tivoli e Carranca, ou ainda promover o seu próprio show celebrativo, como o projeto Riocore All Stars. Mesmo sem isso, espalham- se festas e encontros de fãs onde basta um DJ com a playlist certa, como E eu que era emo, Te conheço desde o Orkut e Festinha Dinâmica Gastativa.
Nesta última, Darvin e Dibob recentemente voltaram ao palco junto dos amigos do Phone Trio. A ideia partiu do baixista Mateus Simões, da terceira banda, e a ideia era reunir aquela mesma galera mais uma vez, com a condição de que, se esgotasse, todo mundo ganharia, caso contrário, fariam entre eles mesmos a maior festa que pudessem. Acabou sendo um sucesso, para eles foi uma volta emblemática. O Phone Trio, inclusive surgiu na mesma época que os outros, mas eram os únicos que cantavam em inglês quando a maioria já havia aderido a língua nativa. “Eu acho que foi uma barreira. Se a gente fosse cantando em português junto com essa galera, a gente poderia ter dado uma bombada maior. A galera se amarrava, mas não conseguiam gravar muito bem as letras na cabeça, que eram imensas e em outro idioma”, afirma o baixista. Mas foi exatamente por isso que eles, ao contrário dos outros, conseguiram alcançar
o mercado exterior. Fizeram turnê na Argentina e nos Estados Unidos, lançaram discos no México, Canadá, Itália, França e até no Japão. Na Ásia, asseguraram lugar na lista de discos de Pop Punk mais vendidos, logo atrás de Fall Out Boy e Paramore, ainda que tenha sido por pouco tempo. “Foi divertido, vivemos uma pseudo vida de Rock Star”.
O que mais impressiona Mateus sobre esse movimento é o fato de que era para todos, mesmo que tenha emergido dos bairros considerados nobres, da Zona Sul à Zona Oeste, das metrópoles às cidades do interior, “O movimento mais genuíno de rock dos últimos anos, certamente”. Os jovens queriam tanto viver aquela experiência que aceitavam tocar em qualquer lugar. No início eles queriam mais ter banda que serem músicos, queriam a diversão de cantar sua rotina, e então encontraram pessoas que os queriam ouvir. Isso por todo o país, mas sobretudo no Rio de Janeiro, onde as letras sugeriam uma vibe boa, quando quase ninguém conhecia o significado dessa palavra. “A gente não transgredia nada, a gente não revolucionava nada, mas ao mesmo tempo queria falar de coisas boas, para as pessoas se sentirem bem. Por mais jovem que isso fosse, por mais adolescente que isso fosse. Acho que justamente a adolescência é uma época em que você só quer se divertir”, recorda Caio Correa.
Tudo o que fica hoje para eles de mais forte são as amizades. As bandas não competiam entre si, existia, ao contrário, cumplicidade e entendimento de que todas elas se beneficiariam com aquele resultado. Mesmo os que chegaram primeiro, nunca menosprezaram os que vieram depois e se tornaram ainda maiores que eles mesmos. Todos compareciam aos shows uns dos outros, prestigiavam, ajudavam a divulgar. Cantavam músicas uns dos outros, substituíram os amigos em uma ou outra apresentação. Viajaram em ônibus e vans, dividiam camarim, comemoraram juntos e também brigaram muitas vezes antes, durante e depois, pois os vínculos permanecem. Amadureceram todos juntos, musicalmente e pessoalmente. Se existe um legado deixado por eles, certamente é a memória afetiva de um tempo que foi muito bom. Para eles, e para quem curtia o show deles. É muito diferente olhar hoje para aquelas letras, já se passaram quase 20 anos para alguns. Eram adolescentes, agora são adultos. Mas quando sobem no palco — os que ainda podem fazer isso — e todos acompanham fervorosamente, qualquer distanciamento se acaba.
Quando o Dibob estava ainda no começo, o guitarrista Miguel escreveu em um blog da banda “Se eu pudesse dar um conselho para as pessoas, não que eu seja muito indicado a ser conselheiro, falaria para formarem uma banda”. Ele não se lembra de ter feito isso, mas está lá registrado. Ainda assim, olhando para trás, não mudaria em nada essas palavras. “A música é a única coisa no universo que tem esse poder de mudar o humor de um milhão de pessoas num instalar de dedos, nada mais vai fazer isso. Ela derruba barreiras, preconceitos, e acaba criando pontes. E apesar do palco, que dá uma separada de você para a galera, a gente se sente ali no meio. A banda só está completa quando a gente se sente ali, e a galera se sente no palco. E nos shows a galera fazia isso, todo mundo estava falando a mesma língua. Não é “Ah tenha uma banda porque vai ser um ‘puta’ sucesso e você vai virar um Beatle. Não. Mas talvez você encontre três caras que vão te amar e serem seus cúmplices como foram Lennon, Paul, George e Ringo. Se for muito, que seja como eu, Faucom, Dedeco e Gesta”.
Crédito das imagens: Pixabay License
*Texto construído a partir do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Esse tal de Riocore: uma grande reportagem sobre o cenário Pop Punk e Hardcore carioca dos anos 2000”, apresentado em dezembro de 2018 à Universidade Veiga de Almeida.