Existe um segredo para esse sucesso?

publicado na Ed_16_jul/set.2020 por

O produtor S4TAN, responsável por produzir algumas músicas da drag queen Kaya Conky e de outros artistas, acredita que o sucesso de Anitta logo em seu segundo single – ela havia lançado Meiga e Abusada como sua primeira aposta dentro de uma gravadora em 2012 — aconteceu por causa de alguns fatores muito importantes. “Eu acredito que “Show das Poderosas” foi um marco relevante pra época e uma grande influência dentro da indústria no Brasil. Afinal, após Wanessa, Luka, Kelly Key e até mesmo Sandy & Junior, nosso mercado não teve uma grande valorização e nem mesmo investimento relevante na cultura Pop, até a chegada de Anitta”, declarou.


S4TAN
Produtor musical (Foto: Instagram)

O músico também acredita que o Brasil carecia de uma personalidade que entregasse aquilo que outros países de língua inglesa já faziam tão bem. “Ela conseguiu unir Funk, o som que estava sobressaindo no momento, com influências internacionais da cena, e gerar uma grande movimentação. Assim, consecutivamente, outros artistas enxergaram a possibilidade de produzir e criar sons fora do habitual da época e expandir o movimento Pop”, declarou.

Quando se pensa em sucesso, muitos fatores podem contribuir para o que determinado profissional deseja para a sua carreira. S4TAN acredita que nada acontece por acaso e nada “explode” nas rádios se não houver algo maior que talento, mesmo porque tem muita gente extremamente talentosa que nunca conseguiu assinar com uma grande gravadora.

“Originalidade é essencial. Todos os dias surgem inúmeros músicos e respectivamente sons novos, porém de nada vale uma boa composição, com as palavras hypadas (que é o que está bombando somente naquele momento e que tem validade curta; é o que está “dando o que falar” em um determinado período) do momento, um look extravagante e até um grande investimento em marketing se o público não enxergar alguém por trás de tudo aquilo”, pontuou.

Por exemplo, provavelmente você conhece alguém, ou até mesmo ter algum amigo, que tem toda a aptidão performática para estrelar um clipe musical ou cantar em um programa de televisão, mas nunca foi “descoberto” ou teve a coragem e a disposição de buscar o estrelato.

O Brasil faz parte, claramente, de um contexto marcado pela mundialização da cultura, segundo um estudo publicado por Stuart Hall, que foi um teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano, em sua obra A questão da identidade cultural. Ele acredita que a vida social provoca mediação com o marketing global de estilos, ao mesmo tempo que as identidades são completamente descartáveis e acabam ficando à deriva, já que são redefinidas a partir de leituras de elementos virtuais, o que se reforçou com as décadas seguintes.

Na teoria da Escola de Frankfurt sobre indústria cultural, Adorno e Dorkheimer trazem à tona o conceito de produção capitalista de cultura, ou seja, existe a padronização do produto e do consumo. Essa padronização acaba transformando um símbolo (o artista) em mercadoria.

S4TAN resumiu essa ideia e explicou que cada artista precisa acertar em diversos pontos para que sua música seja um sucesso comercial: “O consumidor não compra a ideia sem ter afinidade ao artista. É claro que uma produção de qualidade, boa captação de voz, atributos visuais, coreografia, além de um clipe bem gravado e produzido contam muito para se destacar, porém a marca do artista é sua personalidade”.

Em uma análise sobre a estrutura das músicas, algo me despertou interesse. Canções de veteranos da música brasileira costumam ter um tempo de duração variável entre 4 e 5 minutos, e todas elas tocaram muito nas rádios, mas atualmente parecem não ser mais toleradas por ouvintes de estações de rádios populares, apenas continuam causando impacto em rádios adultas. Estrelas do Pop estão encurtando cada vez mais a duração de suas músicas e isso é muito claro.

“Show das Poderosas” possui 2 minutos e 43 segundos. “Braba”, de Luísa Sonza, toca por 2 minutos e 17 segundos. “Brisa”, de Iza, 2 minutos e 32 segundos. Jão e Ivete Sangalo cantam em “Me Liga” por 2 minutos e 34 segundos. “Há inúmeros fatores que nos levaram a essas produções “mais curtas”. Com essa indústria rápida de consumo; sejam filmes, programas ou notícias, a música também se situou em um cenário de facilidade em acesso através das plataformas digitais”, explicou o produtor SAT4N.

E continuou: “A disputa é conquistar no menor tempo possível a atenção do consumidor, antes que pule para o próximo conteúdo. Outro fator é engajar o consumo repetitivo do mesmo produto. Nas plataformas digitais, as visualizações são equivalentes às vendas de música, os artistas ganham através de cada play dado”.

Por fim, o músico entregou um dos maiores segredos para que uma canção seja bem aceita: “Se a música for curta e sem repetições excessivas, o consumidor irá ouvir mais vezes e dar mais plays ao músico sem enjoar”.

O canal Missão Musical, do YouTube, é conhecido por fazer análises de clipes e de carreiras de diversos artistas, além de ensinar termos que leigos podem gostar de saber. No vídeo “Qual o segredo do sucesso da Anitta”[1], publicado no dia 27 de junho de 2018, os integrantes Gabriel Camargo e Fábio Fonzare fazem um balanço das qualidades dela como cantora.

É um assunto recorrente o fato de Anitta não ter uma voz muito potente. Ela é conhecida por se manter em sua zona de conforto, para não desafinar e mesmo assim conseguir imprimir emoção àquilo que está cantando. Não tem como comparar a Poderosa a vocalistas como Céline Dión, Whitney Houston, Pitty e Sandy, entretanto, isso acaba não tendo grande impacto no mercado.

Na visão de business de Gabriel Camargo, que é empreendedor artístico, Anitta é absurdamente boa na questão de marketing e estratégia, o que acaba complementando o seu talento. “Não vou nem falar de potência vocal, porque potência é um parâmetro dentro da análise de voz. Potência vocal, por exemplo, a galera que canta lírico, que canta erudito, precisa ter uma potência vocal, porque geralmente não tem microfone, então a voz precisa ser forte. Mas a qualidade vocal da Anitta, eu particularmente gosto do timbre[2] dela e eu acho que para o que ela precisa fazer, que é ser uma profissional do entretenimento musical, uma musicista, uma artista, eu acho que ela faz bem”, declarou.

Fábio Fonzare acredita que o sucesso de Anitta tem vários fatores. “É um conjunto de coisas. Ela gere muito bem a carreira dela, é uma gestão muito bem feita para atingir o que ela atingiu até agora, e eu acho que vai atingir muito mais”, disse, na época em que a cantora ainda nem tinha anunciado seu primeiro álbum internacional.

Por acompanhar o Missão Musical e por me interessar sempre em aprender mais sobre música, achei prudente entrar em contato com os youtubers. Para mim, Gabriel Camargo disse outros pontos importantes sobre o sucesso da funkeira, mas não acredita que “Show das Poderosas”, apesar dos números e do grande destaque que teve na mídia, seja o responsável para que outros artistas seguissem a mesma “fórmula” adiante e surgissem como marcas de sucesso no Pop brasileiro.

Produtor musical e especialista em marketing musical, ele acredita que o momento em que a canção foi lançada foi favorável ao seu sucesso, mas não exatamente significa que foi um divisor de águas na música brasileira, causando o surgimento de novos nomes com estilos semelhantes. “[Esses artistas] terem ocorrido no mesmo momento não quer dizer que ela [música] seja a responsável. Porque a gente tem hoje um apelo audiovisual, mas não foi a Anitta que inventou isso. A própria sociedade já faz com que isso aconteça. É muito difícil atribuir isso a um artista ou a uma produção, enfim”, explicou.

Gabriel também relaciona todo esse sucesso de outros cantores após “Show das Poderosas” à penetração e expansão de plataformas de streaming e à mudança cultural e comportamental para um consumo cada vez mais visual e um dos pontos mais importantes para que esta canção e outras da época — como “Hoje”, de Ludmilla, e “Posso Ser”, de Lexa, que foram lançadas em 2014 — emplacassem nas rádios e baladas do Brasil: a transmissão do Funk da massa para o mainstream[3].

“É quase que impossível atribuir a uma coisa. O mundo artístico é muito mais complexo do que somente um elemento. Eu acredito que não exista um único elemento responsável pela mudança na forma de criar e divulgar músicas no mercado fonográfico”, finalizou.


Gabriel Camargo

Empreendedor artístico e youtuber
(Foto: Instagram)

***

[1]Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tKGJ50FGc-E
[2]Identidade de uma voz, de um som ou de um instrumento
[3]Palavra em inglês para massa dominante, aquilo que é comum no mercado cultura, de fácil consumo, como filmes de Hollywood e investimentos de grandes gravadoras

Crédito da capa: Autor

Capítulo do livro: Pre-pa-ra: A revolução na forma de criar e divulgar música Pop no Brasil

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