Apesar de toda a realidade de fome, drogas, violência — inclusive sexual — a falta de estrutura familiar e governamental, esses e outros dramas enfrentados pelas pessoas que vivem nas ruas já não causam tanto impacto aos olhos alheios. Atualmente, são condições da sociedade que se tornaram habituais para muitos que não têm a pretensão de — ou não conseguem — enxergar o problema mais a fundo.
Em meio a esta invisível camada da sociedade, há uma personagem ainda mais invisível: a mulher grávida, e não porque são algumas poucas mulheres. O ser humano em toda a sua diversidade e peculiaridade é igual perante as leis do homem, da ciência e, para quem acredita, perante Deus. Mas todo discurso ou análise não se sustenta diante da precariedade de se gerar uma gravidez na rua.
O primeiro passo para encontrar essas gestantes foi a internet. A procura por notícias, sites, estudos científicos. Acreditei que ali encontraria a localização destas personagens e, enfim, daria início a jornada de acompanhar a vida destas mulheres que vivem nas ruas.
Ledo engano!
Poucos estudos abordam o tema. Essa informação é corroborada por um artigo escrito por dois profissionais doutores em psiquiatria e professores da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Anne Lise Sandoval Silveira Scappaticci e Sérgio Luis Blay, referente a uma tese apresentada em 15 de março de 2006. O artigo “Mães adolescentes em situação de rua: uma revisão sistemática da literatura” aborda justamente o fato de haver poucos estudos voltados para o tema, além de ressaltar a importância do aprofundamento da questão. De acordo com eles, pouco se sabe sobre as mulheres que passam a gravidez nas ruas e, por isso, é preciso mais estudos e métodos de intervenção de saúde neste grupo, especialmente em populações culturalmente distintas.
No artigo os professores da UNIFESP ressaltam a seguinte constatação numérica: das 8.602 referências coletadas inicialmente, apenas 19 fizeram parte do artigo, e nem todos os estudos escolhidos abordam especificamente a questão, ou as questões das mulheres gestantes em situação de rua.
Após essa busca ao mesmo tempo frustrante e esclarecedora por referências científicas, a estratégia seguinte foi entrar em contato com as diversas casas de acolhimento em São Paulo. Dentro desses grupos estão as instituições governamentais e organizações sem fins lucrativos, mas apenas duas me receberam prontamente.
Ao ver a grávida no fluxo, travei
O primeiro impulso foi uma visita à Cracolândia, ambiente que eu nunca havia vivenciado, porém era lá que estavam duas das instituições governamentais que eu procurava: Programa Recomeço e Programa de Braços Abertos, projetos do governo estadual e da Prefeitura de São Paulo, respectivamente. A princípio, a presença dessas instituições me tranquilizou em relação à segurança.
Não sabia exatamente aonde era o local. Ao sair da estação de metrô Luz, encontro vários moradores de rua e usuários de crack com seus cachimbos a postos. Passo os olhos por todos os lados tentando encontrar a personagem da minha reportagem, a grávida na rua. Penso que, se der sorte, no segundo semestre a história pode virar um livro-reportagem para ser apresentado como projeto de conclusão do curso de jornalismo. No caminho, diversas viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Perguntei a localização da Rua Helvétia. O guarda, intrigado, enrugou a sobrancelha e perguntou o porquê eu queria ir para lá. Talvez pensou que eu fosse comprar drogas. Enfim, disse:
— Olha moça, lá é a Cracolândia, é perigoso ir até lá.
Expliquei o meu projeto e ele gentilmente pediu para que eu fosse por determinadas ruas que eram menos perigosas. Meu olhar se direcionava para cada morador e barracos nas calçadas por onde eu passava com a esperança de encontrar alguma grávida no caminho, e não precisasse chegar até à Cracolândia. Não encontrei.
Entrando na famosa Rua Helvétia e já avistando uma multidão que se aglomerava em uma esquina, o receio de que alguém me abordasse ou me roubasse tomou conta de mim, o que se traduziu em uma leve tremedeira nas pernas. Mas logo encontrei as Tendas — como são chamados os centros de atendimento dos projetos Recomeço e De Braços Abertos.
Na primeira Tenda expliquei meus motivos e solicitei ajuda para encontrar as gestantes. Segundo Priscila, eu teria que falar com a coordenadora:
— Eu posso dizer que aqui na Cracolândia vivem muitas grávidas. Mas não posso te ajudar no momento, pois preciso da autorização da minha coordenadora para que você possa se voluntariar e sair para ações no fluxo.
Fluxo é como se chamam as movimentações intensas dos usuários da região.
Sem sucesso, a próxima visita seria na Tenda De Braços Abertos, onde fui gentilmente atendida pela assistente social Rafaela. De saída para o fluxo, ela explica que também precisava de autorização da coordenadora que, coincidentemente, não se encontrava. Insisto e ela responde:
— Não posso te levar junto. O trabalho que fazemos aqui é principalmente de vínculo com os usuários e eles não são muito passivos. Se eu permitir que você vá sem nenhum tipo de autorização, estarei te colocando em risco.
A primeira impressão que tive foi: mesmo com qualquer tipo de autorização, eu correria os mesmos riscos.
Depois de algum tempo parada, pensando no próximo passo, comecei a perceber que aquele era sim o local onde encontraria a personagem que precisava, a grávida que vive nas ruas. De onde estava, prestando um pouco mais de atenção, avistei de cara três mulheres grávidas que se emaranhavam no fluxo. Andam apressadas, olhando para os lados, como se tivessem fugindo de algo. A vontade era de correr atrás para conversar, mas me lembrei das palavras de Rafaela alertando: é preciso criar vínculos, pois eles não são muito passivos. Eles não são muito passivos.Neste momento, travei. Como jornalista, meu trabalho era encarar o problema de frente, sem vergonha e sem receio, mas percebi que a realidade não é bem assim. Diante de cenas que jamais havia presenciado, deparei-me com um bloqueio físico e psicológico, ainda assim pensando em como criar o necessário vínculo.
Vínculo foi uma das palavras que mais ouvi das pessoas com quem falei sobre abordar os moradores de rua. Diante disto, fui ao Grupo da Sopa como voluntária. Ao chegar no Lar Vivência Feliz no final da tarde, ou, como é conhecida, Casa de Idoso no Jabaquara, que cede espaço para se fazer a comida, fui alegremente recebida pelos outros voluntários e, quando me dei conta, já estava ajudando na preparação dos alimentos. Aqui, todos estão acelerados, a movimentação é intensa. A cozinha precisa ser liberada até às nove horas da noite.
Conheci Dona Irani, voluntária, com seus 70 anos e problemas de articulação nas mãos que não a impediam de encher todas as garrafas de água e suco para entrega. Impressiona a quantidade de pessoas com mais de 60 anos com aquele pique. A cozinha ficou lotada, mas cada um sabia exatamente o que fazer. Foram trezentas refeições e quatrocentas garrafas que rapidamente encheram os carros para distribuição, que também foi acelerada. O cansaço em mim era sinônimo de dores nas costas e nas pernas, as pontas dos dedos estavam machucadas de tanto fechar garrafas.
Finalmente, a entrega das marmitas. Cada grupo saiu em seu carro, com minha moto acompanhei Rosa e Alexandre rumo ao Jabaquara e de lá, seguimos de carro. A esperança de encontrar a grávida na rua tomou conta de mim, uma vez que iniciaria o processo de vínculo com os moradores das ruas.
Uns bêbados, outros doentes, outros consumidos pela nóia do crack dormindo em camas de papelão. Uma senhora sorridente de fala culta, sem gírias, me chamou a atenção. Foi reconfortante receber um beijo na mão de agradecimento logo após lhe entregar a refeição. Eu estava próxima às mulheres, tentando desvendar alguma barriga avantajada. As marmitas e as garrafas de água e suco acabaram, e neste breve período em contato com os moradores de rua, nada encontrei.
Próximo destino: Praça da República. Desta vez sozinha. No meio tempo, entre um compromisso e outro, fiz andanças pelas quadras da região. Sabemos que ela está em algum lugar, que existe, as vemos quando passeamos pelas ruas de São Paulo, mas ela é escorregadia, anda apressada como se fugisse de algo. Assim é a loira do Brooklin, moradora de rua que tento acompanhar faz algum tempo. A loira tem pele negra, cabelos desgrenhados, olhos vermelhos e arregalados. Os efeitos da droga a deixam um pouco assustadora. O passo acelerado, atravessando a avenida em meios aos carros, aos gritos, demonstra sua instabilidade. Não é diferente de muitas mulheres que vivem nas ruas, exceto por um detalhe: a barriga saliente.
Na Praça da República, a invisibilidade se espalha entre os apressados, os turistas, as barraquinhas de camelô. Durante o dia, o que se vê são os plásticos pretos que se moldam em forma de abrigo, todos dormem.
Um dos motivos de dormir durante o dia é claramente explicado na tese de Doutorado do Professor de Saúde Coletiva, Anderson Rosa, também da UNIFESP, através da declaração de uma moradora de rua que ficava acordada a noite inteira por medo de violência e abusos. “A noite dormia na rua, às vezes nem dormia. Às vezes ficava acordada a noite inteira com medo. Como já passou várias vezes na televisão: mendigo estava dormindo na calçada e passou as pessoas e botou fogo nele, tudo. Fora outras coisas também que pode, tem homem ou mulher também que pode te abusar, ou matar por nada”.
Andei nas ruas ao redor da Praça da República, a frustração e o cansaço já se instalavam. Como última tentativa, desci até o Parque do Anhangabaú, mas nada. Toda a tentativa de encontrar uma moradora de rua grávida até agora não gerou resultado positivo. A princípio, em minha opinião, iria facilmente encontrar, ou será que não? Decidi retomar do início, voltar à Cracolândia.
“O pessoal aqui é tranquilo, mas no fluxo o bicho pega”
Pessoas amontoadas nas esquinas, cachimbos acesos, mau cheiro e sujeira para todo lado. Estava de volta à Cracolândia. Um turbilhão de sensações aflora assim que entro no perímetro. Não é a primeira vez que visito o local, mas é como se fosse.
Na praça, em frente à Tenda do programa da Prefeitura de São Paulo está um grupo de usuários que tenta me abordar. Com o passo apertado, atravesso a praça sem olhar para o lado. No momento pensei que não precisaria me envolver com outras pessoas além das grávidas, as tais que ainda não havia encontrado. O motivo? Explicarei mais adiante.
Na Tenda De Braços Abertos (local que, de certa forma, em minha cabeça, resguardava minha integridade física), está sempre cheia de moradores de rua, funcionários, pessoal da saúde, assistentes sociais. Desta vez, o papo se iniciou com Edson, segurança. Apesar de não ter tantas informações sobre os responsáveis pelas atividades da Tenda, encontrei nele uma fonte muito importante que serviria de grande ajuda na procura das gestantes que vivem por ali. Em curto espaço de tempo, Edson orientava os caminhos que eu deveria seguir, claro que com algumas ressalvas.
— O pessoal é bem tranquilo. Eles entram aqui na Tenda, conversam com todo mundo, só evita de ir lá no fluxo, porque lá o bicho pega.
Apesar de estar tranquila com o bem tranquilo de Edson, percebi que, quando ele mencionou que o bicho pega, o bicho pega mesmo, e não é só no fluxo.
Edson trabalha como segurança no local há três anos, tempo suficiente para ver muitas grávidas passando por ali, inclusive para saber que algumas seguem, rigorosamente, o horário do banho oferecido por uma instalação da Prefeitura no prédio à frente da Tenda. Algo que não é comum para a maioria dos moradores de rua, mas, pelo visto, estas mulheres têm algum motivo forte para se preocuparem com o banho. Em meio a muitos focos, o prédio virou um dos principais. Mais uma vez, fiquei na esperança de que uma gestante aparecesse na minha frente, ou fosse até a Tenda para ser atendida, ou até mesmo para aproveitar o som da roda de samba que acontece no local todo mês.
Na mesma praça onde havia desviado de um grupo de usuários, fui abordada novamente, mas desta vez não tive como desviar. Resolvi criar o famoso vínculo, iniciando com dois travestis e três homens, sendo um deles deficiente. Todos eram usuários. O envolvimento, como dito anteriormente, neste caso, seria muito necessário.
Milla Critoem, uma travesti, me abordou pedindo cigarro — a técnica do cigarro funciona para uma aproximação mais amigável. Falava alto, os trejeitos espalhafatosos, uma mulher por completo. Depois de acender o cigarro, veio a pergunta inesperada.
— Você é repórter?
— Sou curiosa.
Não confirmei, nem desmenti. Talvez a decisão de me apresentar como uma simples curiosa pareça distorcida diante dos princípios éticos jornalísticos. Porém, a única coisa que passou pela minha cabeça não tinha nada de antiético, era apenas o receio de uma iniciante em um lugar desconhecido, ou talvez um alerta dado por Edson no começo da conversa.
— O pessoal aqui não gosta de jornalistas.
Entre a fala alta, choros — quando questionada sobre a família —, o levantar da blusa cor de rosa para mostrar os seios resultado do uso de hormônios, entre outras inquietudes, conversei com Milla por quase uma hora. Ela queria exclusividade, afastava os companheiros de perto dizendo que estava sendo entrevistada. Uma mulher esperta que sabia com quem estava falando. Por que ela está ali?
— Sai da prisão tem seis meses.
— Porque você foi presa?
— 157.
A conversa acabou, e com ela se foi o vínculo. Mais um dia na Cracolândia e nada de grávida.
Na roda de samba, o encontro
Ela entra sambando na roda, como se estivesse na avenida. Cada giro, cada passo, cada gingado demonstram as habilidades e a agilidade em seus pés. Não a agilidade costumeira e acelerada dos usuários de crack, mas a agilidade costumeira de quem está saboreando naquele exato momento alguns instantes de felicidade. Assim encontrei Denise, sambando, girando, sorrindo. Não é difícil encontrar pessoas alegres e sorridentes na Cracolândia. Agiam como se estivessem na última festa da vida. Cantavam e dançavam ao ritmo do samba, tocado por um grupo evangélico uma vez por mês, ajuntados na entrada da Tenda para ver o show. O espaço é aberto a quem quiser, mas não chegaram nem a entrar, a animação foi ali mesmo.
No meio do tumulto, confusão, festa… como se já tivesse a pretensão de se apresentar para mim, a barriga gestante se destaca. Por uns instantes não enxerguei sequer o rosto daquela mulher pulando na minha frente, os olhos se fixavam na pequena barriga.Ela era loira, alta, bem magrinha, motivo pelo qual foi possível detectar de cara a gravidez. A magreza não é esquelética, não choca o olhar. É uma magreza ainda saudável. As roupas estavam inteiras, sua calça tipo pantalona florida, de panos leves, mas grudados ao corpo. Leveza e flores que combinavam com sua animação. Fiquei excitada em ir falar com ela, mas a questão do vínculo, da sutileza na abordagem, logo veio à cabeça. Edson me salvou nesta hora.
— Se você quiser vou lá conversar com ela primeiro e falo de você — disse ele, lendo meus pensamentos.
Enquanto Denise interagia com o pessoal da roda fiquei maquinando o que falar para iniciar o tal vínculo da maneira correta, se é que existe uma. Ainda não tinha confirmação de que era realmente gravidez, mas esta me veio por uma simples leitura labial. Na conversa de Denise com duas assistentes sociais, à distância, tive minha confirmação.
—Você está de quanto tempo?
Era, certamente, a fala de uma das assistentes enquanto fixava o olhar em sua barriga. Depois não prestei atenção em mais nada, só em Denise encostada na grade. Lá está ela, em meio aos amontoados de trapos e comida sob uma barraca improvisada com uma lona prateada que se destacava das demais. Tudo parecia que estava ali simplesmente para chamar a minha atenção: Denise sambando, a leitura labial, a barraca prateada. Neste momento, nem precisei chamar o Edson, fui e colei na grade, literalmente.
A princípio achei mais coerente não comentar o real motivo pelo qual eu a abordava. Pensei no vínculo, nos conselhos de Edson, no medo que desaparecia aos poucos, mas ainda estava ali. Lembrei que tinha umas peças encostadas em meu guarda-roupa. Esta foi a deixa! Com um sorriso amarelo, talvez receoso, disse que tinha umas roupas que não me serviam mais, talvez ela pudesse querer. Com simpatia e um sorriso no rosto, Denise aceitou na hora.
— Ai, eu quero sim. Estou precisando muito, estou só com esta calça e quando tomo banho preciso lavar junto. O bom é que ela seca rápido no corpo.
Segundos depois eu já estava sentada na calçada em meio aos usuários, sem a menor preocupação. Nem o cheiro, nem a bagunça, nem os olhares estranhos ao redor me incomodavam.
Tentava não ficar olhando para sua barriga, todo cuidado era pouco, ao menos em minha cabeça. Entre cumprimentos, abraços e conversas, Denise, com certo entusiasmo, anunciou a gravidez. A serenidade com que falava era bem diferente da imagem que tinha de pessoas usuárias de drogas. Não encontrei nenhum traço ou atitude que pudesse demonstrar qualquer inconstância de um dependente. Os cabelos loiros e aparentemente limpos, as unhas limpas, na pele do rosto alguns cravos e espinhas e, principalmente, os dentes brancos e perfeitos, também eram características que destoavam da visão estigmatizada de um morador de rua e usuário de drogas. Não pude deixar de notar que aqueles dentes eram mais alinhados do que os meus.
Denise vive na Cracolândia há três meses. Toma banho todos os dias, algo que percebi pela sua agitação contida em conferir a cada minuto o relógio da torre próxima à estação da Luz.
— Tenho que pegar a senha do banho às quatro horas. Não posso perder o horário.
Apesar dos seus vinte e cinco anos tem dois filhos, o mais velho com oito anos, mas ela não quis falar muito sobre o assunto, apenas que vivem com os pais. A família é de Santa Catarina e sua mãe de Taboão da Serra. A gravidez é um incentivo a diminuir o uso do crack. Não à toa estava em sã consciência enquanto conversávamos. Veio parar na Cracolândia atrás do marido, companheiro, amigado, sei lá o quê. Para ela, meu nêgo.
— Infelizmente a gente não escolhe por quem se apaixona.
Fumava de vez em quando. O nêgo não a deixava por causa da gravidez. Também bebe às vezes, mas procura ficar no seu canto, não se envolve em confusão. Quer ter uma gravidez tranquila. Tentei não ser muito invasiva, eu estava mais eufórica do que ela. Cada pergunta que eu fazia era pensada e repensada, principalmente em relação à gravidez. A gestação de apenas três meses combinada com a sua receptividade amigável me animou quanto à possibilidade de acompanhá-la até o parto.
Será que conseguiremos manter o vínculo até lá?
Tentando mascarar minha ansiedade, falei por uns vinte minutos com ela, sempre demonstrando boa vontade em ajudar, o que já não era somente um pretexto, como o de levar algumas roupas. Impossível não ver uma grávida naquela situação e não querer fazer nada, ou até mesmo, acompanhá-la em algumas das consultas médicas, que fazia mensalmente no postinho da rua de trás.
Denise terminou o Ensino Médio no EJA, trabalhava, estudava, pegava busão lotado como qualquer ser humano comum, mas o amor a levou para aquele lugar, ou talvez, qualquer outra coisa mais óbvia que a tivesse arrastado para lá, mas ainda não era o momento de me revelar.
Nos poucos minutos que passei sentada ali, aproveitando este momento de tranquilidade que não sabia quanto duraria, conheci um pouquinho de sua história. Mas não era o suficiente, ainda faltava levar as roupas que eu havia prometido. Foram e-mails, ligações, torpedos, whatsapps, sinais de fumaça e esbarrões com guardas-civis, encontros com Iranis, Priscilas, Rosas, Alexandres, Leandros, Millas, Edsons para, enfim, descobrir o endereço de Denise. Combinamos de nos encontrar no sábado seguinte. Espero que ela já não tenha mudado de endereço.
Crédito da fotografia: Autora, Grupo da Sopa e Google Maps
Capítulo do livro “Grávidas nas ruas de São Paulo“