O Agro é tudo?

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Uma contínua campanha midiática exibida em toda a rede em diversos horários e dias sobre o agronegócio está no ar desde junho de 2016 na rede Globo de televisão: “Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é tudo”. Campanha que foi premiada pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), entidade que existe desde 1897 voltada para o desenvolvimento do agronegócio.

A questão a ser discutida e problematizada é o porquê de se dar tanta visibilidade a um modelo de negócio rural que despeja toneladas de veneno no solo, acaba com a mata nativa, causa o assoreamento dos rios, transforma o pequeno produtor e as populações extrativistas tradicionais em assalariados e causa um devastador impacto no modo de vida de tribos e terras indígenas. Mesmo que nessa campanha seja incluída a agricultura familiar como parte do agronegócio é sabido que os investimentos e a representatividade política são diferentes para ambos.

Para deixar o problema mais intrigante, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) afirmou que a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos em todo o Brasil. E o que eles consideram agricultura familiar? São os pequenos produtores, classificados como os que possuem área total a ser plantada de, no mínimo, 0,6 hectares e, no máximo, cinco hectares.

Uma possível conclusão é que o agronegócio serve para alimentar apenas 30% da população brasileira, e o restante é para a importação. Logo, o agronegócio pode ser um modelo de negócio rural que tem sua base na monocultura e commodities.

Além disso, existe uma bancada ruralista no Congresso Nacional com o propósito claro de fortalecer o agronegócio. Parlamentares que juntos detêm mais de 800 mil hectares de terra em seus nomes ou de parentes. Grupo que é apontado como uma das principais resistências à reforma agrária no Brasil.

Recentemente entrou em pauta nos principais meios de comunicação uma discussão desencadeada por investigações da Polícia Federal. Alguns políticos dizem em programas televisivos que o setor que mais criou emprego nos últimos anos foi a agropecuária, que o crescimento do setor estima mais de 19 milhões de trabalhadores e que foi o menos afetado pela crise econômica e política.

Dados do IBGE (Pnad Contínua) mostram uma realidade diferente. O setor que mais emprega é o de serviços e o mais afetado pela crise foi a agropecuária. Esse recente discurso publicitário do governo federal e de alguns meios de comunicação seria uma manifestação da “pós-verdade” ou simplesmente estão desinformados?

Não que o agronegócio seja um mal que precise ser extirpado, mas entender as diferenças de investimentos governamentais, representatividade política e discutir porque a questão reforma agrária não caminha para uma proposta que beneficie milhares de famílias que continuam sem terra. Será uma mera falácia a questão agronegócio versus agricultura familiar ou as duas são tratadas de forma e com grau de importância diferentes?

Quem quer a reforma agrária?

Do outro lado, os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária não começaram recentemente, foram derivados dos antigos movimentos que estavam presentes antes do golpe civil-militar de 1964. Um pouco antes dessa ruptura o governo de João Goulart havia proposto as Reformas de Base que, entre elas, incluía a reforma agrária. A proposta ganhou mais corpo e apoio depois de discutida com as Ligas Camponesas, União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) e diversos outros setores do campo. Mas a reforma não seguiu adiante.

Camponeses e sindicatos foram perseguidos, presos, mortos e desaparecidos pela repressão que se seguiu com o golpe de 1964. Setores da sociedade civil e militares sufocaram qualquer ideia de reforma agrária popular. Incrivelmente decretaram o Estatuto da Terra em 1965. Hoje sabemos que ele serviu somente para resfriar os ânimos dos movimentos populares, quando na realidade a perseguição e criminalização dos movimentos sociais continuava. Infelizmente, essa perseguição rompeu o tempo e continua nos dias atuais. Basta consultar os relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para constatar que os conflitos agrários ainda são uma constante. Em 2015 foram 998 conflitos com mais de 600 mil pessoas envolvidas resultando em 47 assassinatos.

Os movimentos sociais do campo esperavam que em 2014 a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentasse um relatório sobre os crimes cometidos durante o período da ditadura civil-militar, porém em seu conteúdo foram apresentadas poucas citações relacionadas a repressão contra camponeses, o que causou descontentamento e frustração, principalmente porque a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República apresentou em 2013 um livro que posteriormente foi publicado como relatório pela Comissão Camponesa da Verdade (CCV), onde foram relatados mais de mil casos de crimes contra camponeses entre 1961 a 1988, sendo mais de 200 desses casos cometidos pelo estado brasileiro.

Os crimes não foram julgados, a reforma agrária não aconteceu, a bancada ruralista no Congresso Nacional representa o agronegócio e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é visto como um grupo de pessoas que invadem terras e causam problemas para os empresários da terra. Camponeses, povos originários, sindicalistas e líderes de movimentos do campo continuam sendo perseguidos e mortos. Como um setor que em 2015 chegou a 20% do Pib Brasil, o que representa alguns trilhões de reais, não pode gerar soluções para os conflitos de terra no Brasil? Afinal, o Agro não é tudo?

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Crédito da imagem: Domínio público

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