Quando o aeroporto completou 35 anos de funcionamento, a GRU Airport, concessionária responsável pela administração do local, divulgou que 40 mil pessoas trabalhavam lá.
“A comunidade aeroportuária do GRU Airport, que representa desde funcionários diretos da concessionária, a equipes de limpeza, manutenção, lojistas, e agentes de companhias aéreas, é composta por 40 mil pessoas”, destacou a concessionária em janeiro de 2020.
Considerando que naquele ano o mundo passou por uma pandemia e todos os cargos de trabalho foram reduzidos, fico curiosa a respeito dos dados atualizados. Abro uma nova aba de pesquisa em meu celular e busco por novas informações, mas não obtive sucesso.
Das duas uma: ou ficarei curiosa até a concessionária divulgar as informações por livre e espontânea vontade, ou ela irá retornar os meus e-mails com os dados, completando assim a metade da fofoca que está matando a fofoqueira. No entanto, após dias e dias de insistência, fico sem os dados e a oportunidade de falar com alguém.
Mesmo sem novas informações, começo a fazer minhas comparações matemáticas, para ilustrar melhor a proporção que esse número representa. Segundo o último levantamento do IBGE, realizado em 2022, a cidade de Guarulhos possui 1.291.771 habitantes.
Os 40 mil empregos gerados representam aproximadamente 3,1% da população guarulhense estimada em 2022. Considero um percentual relevante, já que um lugar sozinho tem potencial para empregar 3% da população de um município.
É essa população que caminha pela conhecida Praça 8 no bairro Taboão, localizado em Guarulhos. É um dia quente, mais precisamente um sábado de manhã, que mais parece tarde devido à temperatura. A praça, geralmente movimentada, ganhou novos integrantes devido às disputas eleitorais que definirão os novos vereadores e prefeito do município.
Há um pouco de tudo em um único lugar: bandeiras de vários candidatos, crianças aproveitando os brinquedos instalados na praça, bem como a academia popular, senhoras sentadas conversando, uma viatura da guarda civil municipal acompanhando o movimento e uma mistura de músicas partidárias que, ocasionalmente, se perdem com a música vinda do comércio local.
Não é um dos melhores locais para se ter uma conversa e começo a duvidar se conseguirei entender alguma coisa do que a personagem deste capítulo irá contar. Mas ainda assim, aguardo confiante.
Para não colocá-la em possíveis situações embaraçosas, a chamarei aqui por Carla. É por ela que aguardo, enquanto dois meninos de mais ou menos nove anos passam correndo e basicamente atropelando qualquer pessoa que esteja à frente.
Consigo ainda identificar uma mulher, que parece ser a avó das crianças, gritando para os pequenos pararem com a correria. Mas não observo mais o desenrolar desta história, pois toda a minha atenção é voltada para Carla, que acabou de chegar.
A identifico pelo vestido de alças na cor roxa, que ela me informou que usaria na ocasião, e ela me identifica pela calça e blusa pretas que, mais do que nunca, desejo que também fosse um vestido. Sorridente, me cumprimenta e sinto seus cabelos molhados encostarem em meus braços, o que me traz a mínima sensação refrescante que qualquer ser humano possa sentir naquele momento.
Dali mesmo começamos nossa conversa. Ela mora há sete anos no bairro do Taboão e trabalha há quase um ano em uma franquia de fast food instalada no aeroporto. Sua rotina é bem corrida, até porque o fim de seu expediente engloba uma boa parte do horário de pico do aeroporto, às 20 horas. “Às vezes, tudo que mais quero é minha cama, trabalhar na escala 6×1 não é fácil”, me diz enquanto abaixa os ombros sinalizando um cansaço físico.
Para ela, é vantajoso usar o trem da cidade, que possui estação de embarque no próprio Taboão, e a leva até o aeroporto. Chegando lá, tudo o que ela precisa é pegar um dos ônibus que realizam o traslado gratuito entre os terminais.
Durante seu expediente, há momentos de muita adrenalina, devido às altas demandas, no entanto, também há momentos mais tranquilos. “Tem hora que dá para respirar um pouquinho, graças a Deus”, diz enquanto sorri, externando seu alívio.
Devido ao seu turno encerrar à noite, ela evita boa parte do intenso fluxo de veículos na volta para chegar rápido em seu lar, lugar onde recarrega suas energias com o abraço apertado de sua pequena de quatro anos.
Toda semana ela está no aeroporto e atende pessoas de vários lugares do país, no entanto, conhece poucos lugares, nunca ao menos viajou de avião. “Toda a família mora aqui em Guarulhos, então se um dia eu viajar, vai ser a turismo mesmo. Tenho vontade, só não tenho o dinheiro”, brinca, enquanto compartilha seu relato.
O aeroporto tem uma área total (cerca operacional) de 5.883.000 m². Só em 2023, o local recebeu 41.307.915 passageiros. São mais de três milhões de pessoas por mês, no entanto, nenhuma delas é a Carla, ou ainda, muitas das pessoas que também trabalham no aeroporto.
Desde o início do seu funcionamento, o aeroporto tornou-se uma máquina de criação de oportunidades de emprego. Antes mesmo de sua inauguração, as empresas já anunciavam vagas no jornal da cidade, mesmo que essas solicitassem uma “boa aparência” das candidatas, um código da época para mascarar a discriminação racial e abrir portas apenas para as pessoas brancas.
É por meio das notícias veiculadas no jornal Folha Metropolitana que consigo compreender melhor o cenário da época. As matérias, principalmente as veiculadas em janeiro de 1985, davam grande destaque ao aeroporto que chegaria à cidade.
A notoriedade do tema era obviamente muito ampla. Não tinha como não falar do assunto e passar por cima dos famosos critérios de noticiabilidade ensinados na graduação de jornalismo e frequentemente utilizados pelos veículos de notícia, ano após ano.
Crédito imagem da capa: Israel Dideoli
Capítulo 04 do livro-reportagem: Origens: o passado, o presente e o futuro do aeroporto de Guarulhos