No primeiro trimestre de 2017, o Brasil bateu um recorde do qual não pode se orgulhar: o desemprego no país atingiu o maior nível da história, e o assunto nunca foi tão discutido pela população. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua indicou 14,2 milhões de desempregados no período, o que equivale a 13,7% da população com idade economicamente ativa sem trabalho.
Na mídia, nas ruas e por todo lado muito se ouviu falar sobre demissões, corte de gastos nas empresas, falta de oportunidades e crise. Mas, afinal, será que são esses os fatores que explicam tanta gente desocupada?
As discussões sobre a origem do desemprego não são recentes, nem tampouco as diferentes visões sobre o assunto. Em 1776, o economista Adam Smith publicou A riqueza das nações e esboçou o que se chamaria de economia clássica. Em sua obra, Smith afirmava que a “mão invisível” do mercado leva à prosperidade. Isso quer dizer que a economia pode passar por momentos de crise, mas, em determinado momento, sempre chega a um equilíbrio de modo natural. As situações de desemprego, portanto, nunca persistiriam por muito tempo, de acordo com essa linha de pensamento.
Para muitos economistas clássicos, a desocupação era tratada como uma escolha. O desemprego era visto como voluntário, ou seja, existia porque os indivíduos preferiam não trabalhar pelo salário que lhes era oferecido.
Já no início do século XX, o tema passou a ser discutido de outra maneira, e começaram a surgir exigências de medidas do governo para combater o desemprego ou anunciar-se responsável por cuidar do assunto. Em 1909, a ativista social britânica Beatrice Webb apresentou a Minority report of the royal commision on the poor laws, o primeiro documento que pautou o conceito e as políticas de um estado de bem-estar social afirmando que o dever de organizar o mercado nacional de trabalho, a fim de evitar ou reduzir o desemprego, cabia ao Estado. Pela primeira vez, foi usado o termo “desemprego involuntário”, e a partir de então, passou-se a considerar a ideia de que o desemprego não se dá necessariamente por falha dos indivíduos, mas também por condições econômicas que eles não podem controlar.
Hoje, as razões que dificultam a entrada dos profissionais no mercado de trabalho são diversas. Uma delas é apontada pela especialista em gestão estratégica de pessoas e coach executiva Claudia Santos. Ela afirma que, no momento, o Brasil tem uma carência de mão de obra qualificada, e atribui o problema à má qualidade do ensino no país. “Quando a gente faz uma análise de mercado, percebe uma escassez de talentos, e isso é reflexo da nossa má formação profissional”, explica Claudia. A defasagem no ensino pode ser percebida quando comparamos o tempo necessário para a formação de profissionais no Brasil e em outros países, segundo a especialista. “Se avaliarmos, por exemplo, a nossa situação e a do Chile, perceberemos que estamos muito aquém. Eles passam muito mais tempo em sala de aula. Muitos cursos que a gente leva quatro, cinco anos para concluir aqui chegam a durar dez anos lá, e esse pouco tempo de preparo com certeza prejudica a nossa capacitação”, considera Claudia.
O último censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010, mostrou um aumento expressivo da população brasileira com Ensino Superior: de 4,4% (2000) para 7,9% (2010). Mas, segundo Claudia Santos, esses números estão longe de refletir uma melhora na educação, pois nem todos os alunos chegam às universidades preparados; e, muitas vezes, ainda não têm os requisitos necessários para conseguir uma boa colocação no mercado mesmo depois da graduação. “Hoje a gente consegue perceber que existe muito mais gente formada, mas é necessário avaliar a qualidade dessa formação”, explica a especialista. “Infelizmente, em muitas instituições os alunos saem apenas com um diploma na mão, mas sem nenhuma bagagem”, acrescenta. Ela fala sobre algumas falhas identificadas em processos seletivos e ainda cita o caso de um cliente que está encontrando dificuldades para achar um profissional dentro do perfil desejado por sua empresa.
“Nas seleções, eu encontro pessoas graduadas e que não sabem fazer um cálculo ou escrever uma redação simples. Agora, por exemplo, estou com um cliente que me pediu para contratar um Analista Comercial Júnior. A empresa é uma multinacional com sede na França, e precisava de um candidato com inglês fluente para trabalhar de segunda a sexta-feira e ganhar R$ 3 mil e bons benefícios. Recebi uns 200 currículos, e entre eles, só consegui selecionar duas pessoas dentro do perfil. Ainda assim, quando fui entrevistá-las vi que não tinham fluência no idioma. O inglês era, no máximo, intermediário, e todos haviam colocado inglês avançado no currículo. Não faltou divulgação. Anunciei a vaga no LinkedIn, na Catho, Infojobs, Vagas.com… Todas as plataformas famosas de empregos. Depois, ainda trouxe duas pessoas do meu networking para compor o processo, mas nenhum candidato veio fit, atendendo a todos os requisitos e com o perfil que gostaríamos. Acabamos contratando um que não tinha o inglês tão bacana, mas o cliente aceitou admiti-lo e pagar o curso de idioma para ele. Nos primeiros dias de trabalho, o funcionário já decepcionou muito, fez muitas bobagens e saiu. Agora vamos abrir a vaga novamente, oferecendo R$ 1 mil reais a mais de salário, porque não encontramos ninguém. E essa não é a primeira vez que eu preciso contratar uma pessoa incompleta e investir em treinamento, certificação. Muito dificilmente os recrutadores recebem uma pessoa plena para assumir uma função. As vagas que surgem no mercado são bastante concorridas, mas, na verdade, poucos apresentam a qualificação necessária para preenchê-las.”
Mas, se faltam qualificações para os profissionais que disputam uma vaga no mercado de trabalho, quais são elas? “Em momentos de crise, quando as oportunidades no mercado ficam mais escassas, acontece o que chamamos de ‘guerra de talentos’. O candidato precisa ter uma série de competências técnicas e comportamentais para conseguir se destacar em meio a tanta gente”, diz Claudia.
A opinião é compartilhada pelo gestor de Recursos Humanos Robson Santos. Ele explica que, na crise, a preocupação em se preparar profissionalmente precisa ser ainda maior. “Quando o número de vagas nas empresas diminui, elas ficam mais criteriosas. É a lei da oferta e da procura aplicada ao mercado de trabalho”, afirma Robson. “Se eu tenho muitas pessoas disponíveis no mercado e poucas oportunidades, cabe a mim, como recrutador, aproveitar esse momento e selecionar o que tem de melhor”, explica o gestor.
E o que um profissional precisa ter para ser considerado “completo” pelos recrutadores?
Robson ressalta que, além do conhecimento técnico, é preciso atentar-se às características comportamentais. “Se eu tenho, por exemplo, um funcionário que trata os colegas com falta de educação e outro tão qualificado quanto o primeiro e que sabe lidar com pessoas, com certeza fico com o segundo”, avalia Robson.
Em Recursos Humanos, a sigla CHA serve para designar Conhecimento, Habilidade e Atitude, três requisitos importantes para avaliar um profissional.
- O C se refere ao conhecimento que o indivíduo tem sobre determinado assunto que seja útil tanto para a empresa quanto para ele mesmo;
- O H está relacionado à habilidade de gerar resultados aplicando o conhecimento teórico previamente adquirido, que se aprimora com a prática;
- O A, por sua vez, corresponde à atitude proativa do candidato. Proatividade é a iniciativa de realizar tarefas sem esperar que alguém lhe diga o que fazer. É agir com autonomia.
Para Claudia, a última competência é a mais escassa no mercado. “Eu acredito que falta muito a atitude, aquela coisa de ir atrás, agir com vontade. Ouvimos falar que estamos vivendo um período de superficialidade e, de fato, muitas pessoas também não se aprofundam no conhecimento. Dizem que têm domínio de determinado assunto, mas, se você resolve fazer algumas perguntas sobre aquilo, não sabem te responder. Falta dedicação para fazer melhor, terminar o que se começa”, diz a especialista.
A psicóloga e psicopedagoga Laura Favero tem uma vasta experiência na área admissional e há três anos está à frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda (SDE) de Taboão da Serra, município da Grande São Paulo. Desde que assumiu a pasta, ela acompanha de perto todos os processos de seleção que envolvem o órgão, cujo papel é captar vagas disponíveis nas empresas do município e região. Funciona da seguinte maneira: os munícipes desempregados deixam os seus currículos na Secretaria, onde são avaliados. Quando uma empresa da região abre vagas, a SDE faz uma pré-seleção com os candidatos cadastrados e encaminha para as empresas os que estão mais próximos do perfil desejado.
Laura avalia que a falta de conhecimentos básicos ainda é um obstáculo para que muitos munícipes concorram a vagas melhores. “Tanto no momento de receber os currículos quanto nas pré-seleções, a gente percebe uma falta de preparo. Você pede para a pessoa escrever um textinho e ele vem cheio de erros de Português, outros já têm dificuldade de se comportar em uma entrevista, ficam nervosos, inseguros… Tudo isso é prejudicial na hora de disputar uma vaga”, explica a secretária.
Para tentar suprir essas deficiências, a Prefeitura passou, então, a adotar alguns programas e preparar a população do município para o mercado. Hoje, a SDE oferece um curso gratuito de Língua Portuguesa com conteúdo programático voltado à Redação, além de adotar o Time do Emprego. O programa foi criado em 2001 pela Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo e, por meio de encontros, capacita os funcionários para transmitir à população dicas de entrevista de emprego, elaboração de currículo e temas afins. “Esse trabalho é muito importante, pois o desemprego é uma situação que desestabiliza não apenas as finanças, mas também a autoestima da pessoa”, diz Laura. “Quando o indivíduo fica muito tempo sem emprego, começa a se sentir despreparado, incapaz. Várias vezes recebemos aqui profissionais qualificados querendo concorrer a vagas que exigiam e ofereciam muito pouco, justamente por acharem que não podiam, naquele momento, conseguir algo melhor”, explica Laura.
Ainda pensando em qualificar a população, a Secretaria oferece mais de 30 cursos profissionalizantes nas áreas de Gastronomia, Eventos, Construção Civil, Moda, Beleza, Estética, Informática e Idiomas. A escolha dos cursos é feita através de uma análise das necessidades do mercado. “No ano passado, por exemplo, percebemos que estavam surgindo muitas vagas de porteiro e controlador de acesso. Rapidamente acrescentamos esse curso à nossa grade e foi um sucesso”, diz a secretária. “A demanda do mercado varia bastante, e constantemente buscamos maneiras de preparar a população para isso”, acrescenta.
Embora a falta de preparo profissional seja uma realidade apontada pelos especialistas, as demissões têm sido cada vez mais comuns também entre pessoas muito qualificadas, e, muitas vezes, com vários anos de experiência em suas áreas de atuação. Simultaneamente, alguns índices evidenciam que a economia brasileira vem passando por um momento sensível. O PIB (Produto Interno Bruto) nacional, que representa a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, recuou 3,8% no período de 2014 a 2015, e no ano de 2016 caiu mais 3,6%. “A crise econômica da qual tanto se tem falado é real, e é resultado de uma combinação de fatores”, explica Leonardo Ramos, economista e vice-coordenador do Fórum de Jovens Empreendedores de São Paulo. “As medidas adotadas nos governos Lula e Dilma para incentivar o consumo, como redução de impostos e aumento do crédito, não geraram os resultados esperados”, afirma. “Além disso, a crise política que começou nas primeiras investigações da Lava Jato, em 2014, despertou a desconfiança dos consumidores e empresários”, acrescenta o economista. “A partir de então, os preços das commodities, que são os produtos comercializados pelo Brasil, caíram muito, e a situação foi se agravando”, finaliza Leonardo.
Mas, em meio à crise, o povo tem se mostrado flexível, segundo a economista e consultora financeira Camila Teodoro. “O brasileiro tem uma capacidade incrível de se virar. Em momentos de crise de qualquer tipo, ele sempre enxerga uma possibilidade e investe naquilo. Agora não está sendo diferente”, afirma Camila. “O número de pessoas com carteira assinada pode até estar diminuindo, mas a economia continua girando”, diz a economista.
Nesse cenário, ficar sem emprego preocupa, mas, para alguns, ainda pode representar algo bom, conforme explica Camila. “Esse é um momento interessante, e muitos têm transformado o desemprego em uma chance de realização pessoal. O empreendedorismo tem se mostrado uma alternativa muito interessante para alcançar essa realização”, considera.
Empreender e trabalhar por conta própria, no entanto, também requer muito empenho. Robson Santos explica que alguns requisitos são fundamentais para fazer com que um negócio dê certo. “Empreender não é fácil, e exige, como em qualquer outra atividade no mercado de trabalho, muita dedicação. Recentemente, vi uma pesquisa dizendo que, no Brasil, de cada dez empresas, seis fecham em menos de 5 anos*. Por que isso acontece? Muitas pessoas acreditam na ideia do seu negócio, mas não se preparam para executá-la bem. É preciso ter noção de marketing, finanças, operacional, saber lidar com o público… Não é brincadeira”, pondera Robson.
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*Pesquisa Demografia das Empresas 2014, divulgada em 14 de setembro de 2016 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Crédito da imagem: CC0 Public Domain
Capítulo do livro: “Saída para sobreviver“