Entre livros e cigarros: crítica de um editor

publicado na Ed_08_jul/set.2018 por , , , e

Após mais de 20 anos vivendo a experiência do mercado editorial, o editor de livros Pablo Avelluto tenta se reinventar. No entanto, as duas décadas imerso na lógica da indústria desse setor tornam difíceis a mudança de área e o afastamento dos livros. Avelluto foi leitor, editor, diretor e também livreiro. Seu novo desafio é trabalhar como assessor de programas culturais do Ministério da Cultura do Governo da Cidade de Buenos Aires[1].

Sentado em uma mesa de madeira próxima à esquina do café Voulez Bar, na capital argentina, ele conta sobre as razões de sua mudança profissional. Entre uma tragada no cigarro e um gole de limonada, explica como começou a sentir que a estratégia da indústria editorial, da qual fazia parte, entrava em uma crise muito complexa.

A companhia em que atuava, como diretor de publicação, é a filial argentina do grupo editorial Penguin Random House. A empresa, sediada em Nova York e com operações em 20 países nos cinco continentes, publica anualmente mais de 70 mil títulos digitais e 15 mil impressos, com mais de 100 mil eBooks disponíveis em todo o mundo. Avelluto conta que, quando começou na Random House, o grupo já era o segundo maior do mercado argentino. Ele era responsável por um time editorial que publicava cerca de 400 novos livros por ano, metade de autores internacionais. Sua relação com as obras, no entanto, é muito mais que a de apenas leitura, pois vender literatura é um negócio como qualquer outro e precisa gerar lucro para garantir a sobrevivência. “Existe muita pressão dos acionistas. Você entra na indústria editorial porque gosta de ler, gosta do mundo dos livros, mas depois de um tempo você tem que pensar em custos, rentabilidade e deixa de ler.”

Paradoxalmente, lendo de tudo a todo o momento, Avelluto acabou por não ler nada de forma aprofundada. “Deixei de ser um leitor dos livros completos”, conta. Na cabeceira de sua cama ele guarda cinco obras, mas há tempos que não finaliza uma história.

Livros x leitores

“Eu não sei se quando alguma coisa é ruim para indústria do livro, é ruim para o livro também. Ainda não tenho uma posição definida. Depende muito do ponto de vista”, explica.

Nesse contexto, o editor cita o exemplo da gigante Amazon, que alterou o comércio de publicações. “Se você pensa do ponto de vista ‘tradicional’, a Amazon é uma inimiga. Se você pensa do ponto de vista do leitor, é amiga. Se você pensa do ponto de vista do autor, a Amazon é uma inimiga, como as editoras. Se você pensa do ponto de vista daquele que quer começar negócios com os livros digitais, a Amazon é uma inimiga. Mas o inimigo da Amazon não é necessariamente o amigo da indústria.”

Mas quem é o leitor? Quais são os livros pelos quais se interessa? Nem as editoras, nem os autores, nem as livrarias têm informações sobre seus consumidores. Mas, para ele, a Amazon sabe. Tanto que comprou a rede social de leitores Goodreads, criada em 2007. De acordo com o editor, é importante obter informações sobre os leitores, pois, se você sabe o que eles gostam de ler, saberá o que publicar. “O mercado tem muitos críticos literários, mas os leitores reais têm uma lógica completamente diferente.”

Na visão de Avelluto, o próprio ambiente das livrarias, de certa maneira, pode acabar afastando os leitores. “Livrarias são lugares difíceis para quem não é intelectual, tem barreiras, estão severamente ameaçadas”, comenta. Usando exemplos paulistanos, ele faz uma comparação entre a Livraria da Vila, localizada no Shopping Cidade Jardim, e a Livraria Cultura, situada no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. “A livraria da Vila é muito bonita, mas não é popular. A Cultura, por outro lado, parece ser mais acessível. Por isso que aquelas coleções de livros nas bancas de jornal vendem tanto. Não tem barreiras, as bancas te acompanham até em casa.”

Brasil x Argentina

Um livro considerado de “sucesso” alcança números completamente diferentes no Brasil e na Argentina. Quando participou de uma Bienal do Livro de São Paulo, o que mais chamou a atenção de Avelluto foi a presença da temática religiosa, quase um terço da feira, ele conta.

Segundo dados do Anuário Nacional de Livrarias (2013), 76% das livrarias brasileiras comercializam livros religiosos. O livro Ágape (2010), escrito pelo Padre Marcelo Rossi, vendeu milhões de cópias na sua versão impressa. “Na Argentina, um livro similar não consegue vender mais de 100 mil exemplares. E a população do Brasil não é dez vezes maior do que a da Argentina. O que eu posso concluir é que o mercado potencial do livro no Brasil é maior do que o mercado potencial do livro na Argentina.”

Para atingir o seu público, Avelluto explica, o mercado editorial tem uma vantagem em relação a qualquer outro negócio: o fracasso. Ele pode errar sete de cada dez livros. Ou seja, só precisa de 30% de sucesso para ser rentável. O ex-diretor de publicação acertava de três a cinco obras em um total de dez.

Segundo ele, um livro faz sucesso quando todos seus exemplares da primeira impressão vendem antes de completar um ano do lançamento. Não importa quantos tipos livros foram impressos, ele será um daqueles três que garantem o funcionamento da editora.

[1] Pablo Avelluto é o atual ministro da Cultura do governo Mauricio Macri, iniciado em 2015.

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Crédito das imagens: Autoras

Capítulo do livro:Quarta Capa: o livro sobre livros

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