O poeta virtual

publicado na Ed_08_jul/set.2018 por , , , e

“É certo que o sol passa os dias procurando uma sombra pra se esconder. Como é certo que o amor passa os dias procurando corações pra se mostrar.” Trecho escrito pelo jornalista e poeta Fernando Coelho. E o nome do livro?

Coelho publica seus versos, poemas e reflexões no Facebook, embora afirme que nunca tenha tido vontade de fazer parte da rede social. “Minha filha me obrigou a entrar. E eu, então, publico os meus poemas lá.”

O jornalista não se diferencia da imagem clássica do poeta. Idealizando a mulher amada todos os dias, às 18h, em postagens na web, apenas a plataforma interativa no lugar do bloquinho surrado evidencia que Fernando Coelho seja do século XXI. “É praticamente religioso. Sempre que eu tenho tempo, eu publico às 18h. Eu criei uma porta de sensibilidade nas redes, publicando todos os dias. E eu sistematizei isso, transformei em uma rotina, num hábito.”

Como jornalista que é, Coelho bem sabe que fidelizar o leitor é a melhor forma de continuar escrevendo e garantindo que a mensagem sempre chegue ao seu receptor. No caso da rede social, ninguém é mais meramente receptor. Fernando Coelho recebe quase que instantaneamente comentários sobre suas frases e postagens com fotografias singelas, de casais e paisagens, utilizando os seus poemas apaixonados.

“O trabalho do autor prescinde de inspiração. Eu escrevo diariamente. Só no Facebook, eu publiquei até hoje, aproximadamente, 300 mil palavras. Tudo isso vai se transformar em livro, vai se transformar no meu recital de poesia”, conta o autor, que planeja compilar também em material físico as suas criações.

***

Você vê, então, com bons olhos as plataformas digitais?

Eu acho que a plataforma digital hoje é a grande alternativa de quem produz mensagem, cultura e de quem produz literatura. Principalmente, por uma razão ligada à economia, ligada à produção e a custos. Para publicar um livro, a minha editora tem um custo monetário excepcional. Eu publico no Facebook e tenho uma repercussão tremenda. Evidentemente que não ganho dinheiro. Mas, do ponto de vista da divulgação da poesia e da criação, a repercussão é imensa, muito maior que se eu deixar livros encostados numa livraria esperando o leitor.

Concordando com o poeta, o jornalista — se é que seja adequado separar as duas figuras — acredita que a plataforma digital também é “imprescindível e fundamental” no jornalismo. Fernando Coelho já foi chefe de redação do jornalismo diário da TV Cultura, passou pelas tevês Globo e Manchete, foi diretor de comunicação da Assembleia Legislativa de São Paulo e diretor de Promoção e Comunicação do Ministério da Cultura. Coelho é pessimista no que se refere ao jornalismo diário e semanal feito pelos grandes veículos de imprensa do país.

“Essa história de que a internet vai acabar com os meios impressos é conversa para boi dormir. Se você produz um bom jornalismo, o leitor vai te buscar na internet, na revista ou no impresso. Quando você publica coisas que não sensibilizam as pessoas, elas te desconhecem absolutamente. Eu não acho que uma coisa vai superar a outra. Do ponto de vista da velocidade e de custos, é claro que a internet funciona muito mais. Mas eu não acho que são incompatíveis, não”, opina.

O que você está lendo no momento?

Tudo o que eu sou eu devo aos livros. De vez em quando, eu pego A Montanha Mágica (1924), do alemão Thomas Mann, e vou reler. De vez em quando, eu pego tudo do espanhol Federico García Lorca e vou reler. De vez em quando, eu pego tudo do poeta brasileiro Castro Alves e vou reler. Hoje um dos poetas que mais me influenciam de fato, que mais me comovem, é o chileno Pablo Neruda, por causa de sua formação social, seu discurso preocupado com o amor e com o ser humano; Castro Alves, porque comecei a minha vida lendo poemas dele. E o velho e grandioso brasileiro Manoel de Barros, porque acho que hoje é o maior poeta vivo da língua portuguesa[1], por causa das metáforas e da exacerbação criativa. Então, hoje eu estou relendo Neruda.

Os vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924) é um livro pontual dele. Todo poeta tinha que ter esse livro de cabeceira para compreender como é que se escreve para a mulher amada, seja a imaginária ou aquela com quem você se deita todos os dias. Eu acho que o Neruda tem uma capacidade de humanizar as palavras com relação ao amor que é extraordinária.

Como que você se define como leitor?

Eu sou um leitor compulsivo de livros e não de jornais. Eu tenho muita preguiça de ler jornais. Se você lê um jornal na cidade de São Paulo, você não precisa comprar o segundo, o terceiro e o quarto. Todo mundo querendo vender, mas não há conteúdo diferenciado na imprensa brasileira. Eventualmente muda a foto, muda o verbo, muda a vírgula.

Fernando Coelho é um homem de convicções. Com seus óculos de hastes grossas e a caneta em riste, conta que sua intenção sempre foi a de alterar o ambiente da produção jornalística. Combate? “Um país desse tamanho não pode ser exclusivo. Um país desse tamanho tem de discutir a inteligência dele.” Leitura? “Se você quiser ser um bom jornalista, antes de ser jornalista você deve ser um bom leitor.”

Como você vê o cenário atual dos livros no Brasil?

Absolutamente desiludido com as possibilidades sociais e culturais que o país tomou nos últimos anos.

Eu vejo de uma forma muito negativa [o mercado editorial atual]. Antigamente se vendiam os brasileiros Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Jorge Amado. Hoje o que que se vende? Hoje se vende livros de autoajuda. Eu não considero isso literatura. Hoje todo mundo virou escritor no Brasil.

E isso é algo ruim? Hoje vivemos um maior processo de produção criativa no campo editorial ou você acha que há uma grande preguiça em pensar diferente?

Há uma profunda desinteligência na percepção das mudanças do mundo. Na época da ditadura civil-militar (1964-1985), a repressão era instigante porque a gente precisava de fôlego. Você precisava criar, escrever, não ir para a cadeia, tanto que o que fazíamos naquela época não serve para hoje. Hoje se banalizou o cotidiano. Como você não é mais acossado, ninguém te bate, ninguém te machuca, falta quem fale da causa brasileira. Tudo se nivela por baixo. Nivelando por baixo, você fica com preguiça. E o melhor momento para a burrice intelectual é o momento da preguiça.

E uma coisa que Coelho não tem é preguiça. Com mais de dez livros publicados, entre eles Salvador – Guia de Cheiros, Caminhos e Mistérios (1992), apresentado por Jorge Amado e com quatro edições esgotadas, o escritor é incansável na web. “O coração erra, mas não se engana. No amor, mesmo tudo errado está tudo certo”, diz aos amigos e seguidores, o que resulta em uma profusão de curtidas, comentários e compartilhamentos.

Fernando Coelho comunica e sensibiliza. Todos os dias, às 18h. É um livro sendo escrito numa outra plataforma. É um programa de literatura, com hora marcada.

[1]  O poeta faleceu em novembro de 2014, meses depois da entrevista concedida.

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Crédito das imagens: Autoras

Capítulo do livro:Quarta Capa: o livro sobre livros

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