A prática indesejável do jornalismo “Muttley”

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Os jornalistas, que em sua maioria, são classificados como heróis em suas redações, também podem ser notados por sua preocupação pela audiência a qualquer custo.

Os jogos olímpicos sempre causam efervescência na imprensa esportiva na época em que são realizados. Veículos diversos desdobram-se para cobrir as principais notícias sobre o evento de porte mundial que ocorre a cada quatro anos em uma nação diferente. Na última edição, em 2016, no Rio de Janeiro, tivemos a oportunidade de acompanhar o Brasil se destacando, sendo um dos países bem colocados no ranking de medalhas, com 19 congratulações (sete ouros, seis pratas e seis bronzes), e ostentando a 13ª posição na classificação final. Os números, realmente, agradaram muitos, mas principalmente, os jornalistas. Esses, que em sua maioria, são classificados como heróis em suas redações, também podem ser notados por sua preocupação pela audiência a qualquer custo.

Mas em tese, esta última afirmação não está errada, pois a realidade do jornalismo esportivo brasileiro, em alguns momentos, está pautada no oportunismo e, neste caso, podemos resumir desta forma: quando algum atleta olímpico conquista uma medalha, especificamente de ouro ou prata, após uma disputa ferrenha com algum adversário ou depois de um jogo considerado dramático nos esportes coletivos, a imprensa tende a dar mais ênfase à conquista e aos esportistas que passam a ser os salvadores da pátria da vez, mesmo quando o objetivo de muitos canais (e ainda mais daqueles que detém os direitos de transmissão dos jogos) é o de fazer uma cobertura imparcial e precisa do andamento de boa parte das competições olímpicas.

E quando os fatos não estão de acordo com o conteúdo que os veículos de comunicação estão procurando transmitir, como as competições de um evento esportivo como a olimpíada, por exemplo, o torneio passa a ser visto de forma negativa por parte das grandes mídias, já que também a negatividade é um dos valores notícias hoje aplicados aos esportes considerados olímpicos. O que é lamentável, pois as modalidades que não possuem brasileiros ou quando há representantes do país, mas que não conseguem obter o êxito de serem medalhados com ouro ou prata, eles se tornam uma espécie de vilões e responsáveis pelo insucesso dos esportes os quais praticam.

Em um de seus artigos publicados na Revista Alterjor, da Universidade de São Paulo (USP), o professor Marcelo Cardoso classifica esta prática da imprensa esportiva como o “Jornalismo Muttley” — em alusão ao personagem de desenho animado criado pela Hanna Barbera —, uma vez que a ideia do emprego deste termo serve para retratar o fato de que o brasileiro e, da mesma forma, a mídia perita em esportes, costuma valorizar por demais apenas a vitória (ou medalha, se preferir), ao invés das grandes histórias envolvendo acontecimentos marcantes no torneio ou atletas e suas dificuldades, desafios e sonhos.

Da mesma forma que nas olimpíadas, temos exemplos nítidos variados de como a imprensa esportiva costuma enaltecer um determinado esporte somente quando alguma personalidade está vivenciando seu auge. Casos como os de Ayrton Senna na Fórmula 1, Gustavo Kuerten (Guga) no tênis, e José Adilson Rodrigues dos Santos (Maguila) no boxe, além das recentes conquistas de Gabriel Medina no surfe, são provas de que o jornalismo de esportes tem se pautado nos últimos tempos apenas nos momentos de conquistas desses esportistas.

“Pois é, o brasileiro torceu apaixonadamente por estes esportes e esportistas, mas agora que estamos em baixa — ou na entre safra — a audiência caiu”, declarou Marcelo, em uma rápida conversa via e-mail. “O publico liga no esporte e mesmo assim, continua não entendendo o que é esporte”, prosseguiu o jornalista, que exerce o cargo de professor na Universidade Anhembi Morumbi.

Ao comentar a importância do papel do esporte na formação de uma criança, Marcelo, agora em seu artigo, lembra que “a influência deste aspecto do esporte sobre a formação dos pequenos brasileiros torna-se ainda mais importante pelo fato de o Brasil não ter uma cultura esportiva que contemple farta variedade de modalidades e pelos investimentos ainda serem reduzidos e pulverizados, se comparados à dimensão do país e ao número de habitantes. Como não foi ensinado a gostar de variadas modalidades, tornou-se comum para o brasileiro torcer para quem vence”, uma vez que, “quando os atletas de certas modalidades não brilham mais, aos poucos, o esporte vai voltando à condição de antes”, no caso, sendo esquecidos dos holofotes da mídia.

Foto reprodução:  Prof. Marcelo Cardoso.

Contudo, o professor defende que “o jornalismo esportivo incrementa a propagação do esporte e seus benefícios quando veicula conteúdos socioeducativos em suas reportagens, em seus programas e demais formatos do gênero jornalístico e presta serviço quando debate ‘a respeito da política esportiva do país, ressaltando que o esporte é fundamental para a qualidade de vida das pessoas, e, também, é um instrumento de educação e formação de cidadãos’”.

Retomando a uma de suas teorias, Marcelo lista como um aprendizado bem-vindo à imprensa esportiva a questão da “cobrança exercida em excesso sobre os atletas que não conseguem vitórias ou ótimas colocações”, o que é chamado por ele, ironicamente, de “Jornalismo Muttley”, e alerta ao dizer que “o jornalista ‘precisa valorizar os resultados obtidos pelos atletas, sentindo na pele as dificuldades enfrentadas por eles, entendendo os fatores que influenciam no rendimento, e que eles precisam de superação para alcançar marcas’”.

“O jornalista tem um papel fundamental na difusão do esporte e de suas características que o fazem um fenômeno social e político possuidor da capacidade de influenciar a cultura de uma sociedade. Quando bem preparado, o jornalista tem mais chances de sugerir pautas diferenciadas, realizar reportagens especiais, fazer análises que tratam da política pública esportiva, das leis que abarcam o esporte como fenômeno sociocultural, de fiscalizar e denunciar, quando for o caso, o impedimento de se adotar o desporto como direito de qualquer cidadão. Abordagens que estimulam o alto rendimento, a competição e a vitória são totalmente aceitáveis, porém, é preciso mais equilíbrio nos enfoques para que o esporte no Brasil realmente se torne questão de Estado”.

Por fim, Cardoso declara que “quando jovens (estudantes de jornalismo) estudam, pesquisam e aceitam desafios lançados por professores, estão no caminho certo para se tornarem profissionais mais completos” e “quando um professor aceita o desafio de tecer um texto a tantas mãos (o artigo publicado na Revista Alterjor), assume com humildade a possibilidade de que as trocas de conhecimento poderão contribuir para o seu próprio aprendizado”.

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Crédito imagem da capa: Iwao Takamoto (Cartoon Network)

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