Dificuldades desencadeadas pelo desemprego

publicado na Ed_20_jul/set.2021 por e

Importância do trabalho

Ao pensar sobre o impacto que o trabalho possui na vida das pessoas, há muitos elementos que devem ser levados em conta, um deles é o significado que ele desencadeia para cada indivíduo. O trabalho possui um grande sentido na vida das pessoas, já que uma boa parte da sua vida é dedicada a ele (PINHEIRO, L.R.S; MONTEIRO, J.K, 2007). Além disso, o trabalho constitui a identidade das pessoas, algo que comprova issoéo momento que elas se conhecem, no qual uma das primeiras perguntas que se fazem é descobrir o que o outro faz, querendo saber a respeito da profissão; as respostas dadas são espontâneas e encaradas com naturalidade pois já há uma identificação com o papel de trabalhador. Assim, quando se leva em conta o desemprego, as pessoas se sentem atingidas pois interfere no seu reconhecimento(CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).

De acordo com Hayes e Nutman (1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005), a imagem que o indivíduo constrói sobre si, possui influências das suas relações sociais e o modo como acredita que o outro percebe ele. A partir dessas relações e as atividades sociais que desempenha, é que o indivíduo vai se reconhecendo e construindo sua identidade e devido o trabalho estar voltado a essas relações, possui uma grande influência. Quando ocorre mudanças na relação do indivíduo com o seu trabalho, consequentemente irá interferir na sua identidade e autoimagem.

As pessoas exercem diversos papeis na sua vida e ser trabalhador é um deles. Segundo Macedo (1992 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005) e Hayes e Nutman (1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005), os papeis desempenhados pelas pessoas na sua vida se correlacionam, sendo que a perdaou alguma alteração em um deles, atinge os demais, afetando assim a identidade de uma maneira geral. Esse ocorrido pode ser percebido ao levar em conta a perda do empregopois quando a pessoa perde o emprego, seu papel de trabalhador impacta nos demais papeis exercidos e nas relações com os outros.

Quando se fala em trabalho, há ideia voltada para aspectos financeiros e como forma de subsistência, porém ele é bem mais complexo. Segundo Hayes e Nutman (1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005) e Kelvin e Jarret (1985 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005) o trabalho está relacionado a: fonte de renda, atividade, estrutura do tempo, criatividade,interação social, identidade erepresenta propósito na vida das pessoas. Em relação a fonte de renda, além de ser uma forma de sustento, permite um conforto material. Já a atividade,as pessoas se sentem ocupadas, saudáveis e quando ocorre o desemprego, há o impacto fazendo com que se sintam entediadas, sem saber o que fazer, podendo desencadear: tédio, depressão e outro fatores emocionais. Quando se fala sobre estrutura de tempo, está voltado a rotina seguida pelo trabalhador, por isso quando ele fica desempregado, se sente desnorteado, sem saber o que fazer com o seu tempolivre.

A respeito da criatividade, ela permite que o indivíduo extravase e demonstre suas qualidades, o que desencadeia sentimentos de satisfação e realização. Em relação a interação social, o ambiente de trabalho é o local no qual se troca experiências e realiza tarefas em grupos. Já a respeito da identidade, como já foi abordado anteriormente, o indivíduo possui uma identificação com o que faz e também é reconhecido pelas suas funções, sendo que esses aspectos fazem parte da sua constituição identitária. Por fim, ao se falar sobre propósito de vida, é importante levar em conta que o homem é um ser social e considera importante se sentir útil e contribuir com a sociedade e assim ser reconhecido. Portanto, quando ele está trabalhando proporciona essa sensação, por isso quando ocorre o desemprego ele perde o sentido da vida e pode desenvolver sintomas como: depressão, ansiedade, desesperança, entre outros. Dessa maneira, o significado do trabalho para cada pessoa é diferente, pois cada um atribui seus níveis de importância (Hayes e Nutman, 1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005)

Impactos do desemprego para saúde mental

Ao abordar sobre a questão do desemprego, alguns autores abordam sobre as fases psicológicas que as pessoas passam (HARRISON, 1976; HA YES; NUTMAN, 1981; KEVIN; JARRET, 1985; MACEDO, 1992; EISENBERG; LAZARSFELD, 1938apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005). No primeiro momento, quando o indivíduo recebe a notícia que perdeu o emprego, há o estado de choque, ele não consegue nesse momento pensar sobre o futuro. Além disso, desperta sentimentos e pensamentos que diminuem seu otimismo e a crença de que em breve irá se recolocar no mercado de trabalho. Conforme o tempo passa, e com a dificuldade de se recolocar no mercado, a esperança de arrumar um emprego diminui, ocasionando sofrimentos psicológicos entre eles a ansiedade. Devido a necessidade de se recolocar logo no mercado, o indivíduo procura possuir novas atitudes sobre percepção de si e do mundo, no final quando ele consegue sua tão sonhada recolocação, acarreta um alívio dos seus sentimentos.

Os impactos psicológicos são observáveis desde o momento que a pessoa recebe a notícia, pois desde o modo como ela é transmitida, já gera impactos(HAYES; NUTMAN, 1981; KEL VIN; JARRET, 1985 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005). Quando a notícia é transmitida de uma maneira insensível, o choque pode ser maior, já em casos de demissões ocasionadas em massa, no qual boatos na empresa a respeito já começam aparecer, provoca ansiedade e uma queda na produtividade.  A demissão denominada involuntária, é a que mais atinge o indivíduo psicologicamente, interferindo na sua autoimagem.

Como uma forma de manter o equilíbrio psicológico, o indivíduo possui resistência às mudanças. Devido essa resistência, logo no início, quando se encontra desempregado, ele busca evitar encarar a nova realidade (Hayes e Nutman, 1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).

Quando há uma frustração prolongada desencadeada pelo desemprego, há quatro respostas psicológicas que ocorrem: agressão, regressão, fixação e apatia (SILVA, SILVA e STEINER,1986; LIRA; WEINSTEIN, 1980 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).A agressão, passa a ser direcionada no ambiente em que vive, a seus familiares e a si próprio. Já na regressão, o indivíduo não possui controle emocional. Devido a dificuldade em aceitar mudanças, acarreta em comportamentos rígidos que está relacionado à fixação. A apatia, está relacionada por fracassar diversas vezes ao tentar uma recolocação, o que pode fazer com que o indivíduo não se movimente para mudanças.

Segundo Silva, Silva e Steiner (1986 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005), essas respostas ocorrem pois o desemprego afeta na identidade social do indivíduo que não se considera mais um trabalhador, ocasionando assim, alterações nas suas interações sociais, atividades, projetos e nas suas perspectivas geradas pela sua dificuldade em aceitar as mudanças. Outro aspecto observável é a questão da autoestima, pois ele passa a possuir uma visão negativa, o que desencadeia sofrimento psicológico, assim como a dificuldade financeira, perda do status, que impacta no bem-estar das pessoas. Alguns exemplos a respeito dos impactos ocasionados na saúde física e psicológica são: depressão, ansiedade, sintomas psicossomáticos que podem desencadear: úlcera, artrite, hipertensão, alcoolismo além de outros sintomas.

Diante dos impactos citados acima, é importante destacar que há diversas reações psicológicas voltadas ao desemprego e as pessoas podem ter várias reações diferentes uma das outras, sendo importante considerar os aspectos individuais de cada um (HAYES e NUTMAN, 1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).No entanto, todas essas questões geradas pelo desemprego, se modificam quando o sujeito consegue voltar ao mercado de trabalho (KESSLER; TURNER, 1989 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005). Todavia, quanto mais tempo a pessoa fica desempregada, mais complicada é sua adaptação, pois há uma maior dificuldade na transição para o retorno ao mercado de trabalho, já que ela estava se habituando com a rotina fora do mercado(Liem e Liem, 1988 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).

Quando o indivíduo começa a se ocupar na busca por vagas de emprego, é uma forma dele manter seu equilíbrio psicológico, assim como uma maneira de preencher seu tempo livre, além de ser um propósito, sendo aspectos importantes para sua saúde mental. O indivíduo também passa a se sentir bem na sociedade, pois é uma forma de perceberem seus esforços(HAYES e NUTMAN, 1981 apud CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).

Diante de tudo que foi exposto, é possível concluir que o desemprego é um fenômeno psicossocial, além de econômico, impactandoo sujeito nos aspectos sociais e psicológicos. Assim, o papel dos profissionais de psicologia é muito importante nesse âmbito, para realização de intervenções psicossociais como uma forma de fornecer um suporte psicológico e social aos sujeitos que se encontram desempregados, através de trabalhos coletivos, compreensão dos sentimentos e comportamentos desencadeados pelo desemprego. Além disso, contribui para trabalharsua autoestima, ansiedade durante a busca pela sua recolocação, melhorar seus relacionamentos interpessoais, desenvolvimento de novas habilidades e de atitudes mais positivas tanto na vida pessoal, quanto no ambiente de trabalho (CHAHAD.C; CHAHAD, J.P.Z, 2005).

Desemprego e a Pandemia

Atualmente estamos vivenciando um cenário no qual as incertezas estão mais do que nunca sendo colocadas em pauta.  No ano de 2020, o mundo recebeu a notícia que ninguém esperava, estávamos entrando em um cenário que a vida mudaria de maneira súbita. Com a pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), muitas empresas tem despedido os seus funcionários, bem como não recrutando candidatos para atuarem em sua empresa, pois segundo Costa (2020, p. 960) esse vírus até então desconhecido ampliou-se sua origem para o mundo, e assim causando “impactos profundos na saúde pública e choques sem precedentes nas economias e nos mercados de trabalho”, visto que “além de uma crise sanitária”, o vírus também trouxe consigo uma crise para a vida do trabalhador.

Um exemplo a ser citado é o dos recém-formados universitários que ao terminarem o seu curso, e com o seu diploma em mãos, há o sonho e a expectativa de se inserir no mercado de trabalho, em sua área de escolha. Porém, isso pode não ser algo que venha a se realizar tão abruptamente, visto que a vida fora da universidade é concorrida. Dessa forma, estudos avaliam que algumas dessas frustrações acarretam “sentimentos de impotência, de insegurança, de apatia e desorganização”, entre outros. Dessa maneira, pode-se dizer que com o passar dos anos, essas frustrações tem sido muito recorrentes, pois empresas tem exigido mais de seus candidatos, o que torna o mercado de trabalho mais disputado. Todavia, esse candidato que tanto espera e procura por uma oportunidade, acaba tendo uma gama de pensamentos e crenças. (MELO E BORGES, 2007, p. 383)

Com esse novo cenário caótico, tanto estudantes recém-formados, como também outras áreas de trabalho, tem sofridocom os impactos da pandemia. Há algumas explicações do porque está tendo essa dificuldade de obter um emprego. Segundo Orellana e Aragón (2020, p. 9) essa complexidade é esclarecida através da “crise econômica”, que por conta de ações tomadas, a empregabilidade teve uma redução muito grande, e conforme já mencionado as contratações reduziram, e as dispensas no trabalho cresceram. 

Conforme mencionado acima, pode-se dizer que essas dificuldades de inserção no mercado de trabalho é uma realidade não só dos recém-formados, mas da sociedade como um todo. Temos também aqueles jovens que estão em busca do primeiro emprego, e que com essa “nova realidade” estão tendo uma grande luta ao tentar se inserir no mercado de trabalho, e a maior “dificuldade” de inserção encontrada é nesse grupo e faixa etária. (ORELLANA E ARAGÓN, 2020, p. 9)

Contudo, mesmo com dificuldade de inserção no mercado de trabalho, muitas pessoas tem colocado em prática a capacidade de reinventar e de criar novas possibilidades dentro desse “novo normal”. Algumas empresas para não demitirem os seus funcionários, utilizaram a tecnologia ao seu favor com os “trabalhos remotos”. Já trabalhadores que foram demitidos de seus empregos, utilizaram estratégias de trabalho autônomo tendo esperança em recriar, como também em seguir em frente em tempos tão difíceis. (BRID, et al, 2020, p. 1)

Em suma, pode-se dizer que na crise é onde surgem as maiores ideias, como também reconhecemos as nossas capacidades de ser e de estar no mundo. Enquanto a tempestade caí do lado de fora, uma luz se acende do lado de dentro de casa, e ela traz consigo a esperança de que um dia melhor irá chegar. Em um momento que a adversidade bate a nossa porta nasce uma vontade de vencer, como também de superar.

Referencial bibliográfico

BRIDI, M. A. et al. O trabalho remoto/home-office no contexto da pandemia COVID-19. Curitiba: UFPR, GETS, REMIR, 2020.

COSTA, S. S. Pandemia e desemprego no Brasil. FGV EBAPE. Revista de administração pública, 2020.

CHAHAD, C; CHAHAD, J.P.Z. Os impactos psicológicos do desemprego e suas consequências sobre mercado de trabalho. REVISTA DA ABET, V. V, N° 1, p.179-218, 2005. Disponível em: file:///C:/Users/danie/Downloads/15693-Texto%20do%20artigo-26022-1-10-20130325.pdf . Acesso em 31 de março de 2021.

MELO, S. L., BORGES, L. O. A transição da Universidade ao mercado de trabalho na ótica jovem. Psicologia, Ciência e profissão, 2007. 27(3). 376-395.

ORELLANA, V. S. Q., ARAGÓN, J. A. O. Efeitos da pandemia de Covid-19 no mercado de trabalho brasileiro. Economia Social e Demografia Econômica, 2020.

PINHEIRO, L.R.S; MONTEIRO, J.K. Refletindo sobre desemprego e agravos à saúde mental. Cad. psicol. soc. trab. São Paulo, v. 10, n. 2, p. 35-45,2007.

Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172007000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  30 de março de 2021.

Crédito da ilustração: Pixabay License

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1 Comentário

  1. Parabéns Bela matéria realmente , foi necessário buscar alternativas para a situação a qual o mundo não esperava, estamos vivendo um novo normal a cada dia

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