O “boom” das cesáreas

publicado na Ed_08_jul/set.2018 por

Um canal de humor conhecido por fazer sátiras de pautas reais, o Porta dos Fundos, fez um vídeo em dezembro de 2017 com o título chamado “Cesariana”. A história ilustra uma mulher grávida de 7 meses que debate com o médico sobre o nascimento do seu filho. No vídeo, o médico quer escolher a data que é conveniente para ele e quando a mulher diz que quer fazer um parto normal, o profissional se assusta e sua feição indica que ele não sabe fazer esse tipo de parto.

Assim como no vídeo, muitos médicos não têm formação com preparação para outro tipo de parto, salvo a cesárea, fazendo com que alguns profissionais nunca tenham feito um parto natural. “Isso existe muito, agora o motivo, culturalmente, é porque muito cara que se formou não aprendeu a fazer parto normal, no interior, ainda hoje, os caras têm 100% de cesárea, a não ser que chegou nascendo, com a cabeça para fora, vai na cesárea”, afirma o Doutor Igor.

Não tão escancarado como no vídeo de humor, que tem o objetivo de ironizar, muitas mulheres acabam tendo o seu filho de parto cesariana por conveniência médica, o que também pode ser visto como um tipo de violência obstétrica.

O Brasil é destaque no ranking de países que não praticam parto natural. São 55,6% de partos cesarianas, o segundo país no mundo com uma taxa com quase o dobro da média indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), perdendo apenas para a República Dominicana. Segundo a reportagem feita pela Revista Exame[1] em 2016, a OMS aponta como taxa ideal para esse tipo de parto os valores entre 25% a 30%. Ainda de acordo com a pesquisa publicada, na rede privada de saúde a situação é ainda mais agravante, 85,5% dos partos são cesarianas.

Para o Doutor Igor, um dos principais motivos para essa alta no sistema privado de saúde é a falta de uma remuneração melhor e um fluxo muito grande de gestantes, que faz com que o médico prefira o parto cesárea para melhorar a remuneração, já que, vai sobrar mais tempo para atender um número maior de pessoas.  “Isso é a realidade de convênio, você vai atender um volume grande, não consegue dar muita atenção, não consegue ter vínculo com a mulher, não consegue ter tempo para explicar tudo o que precisa, tudo o que é bom para ela. Tem enfermeira que vai e conversa com a paciente para ver como ela quer a hora do parto. Então isso é um fator. O cara é mal remunerado. E quem é mal remunerado não vai ficar horas em trabalho de parto, porque demora, então ele vai operar. Ele tira um dia na semana, pega as mulheres que estão ali de 38/39/40 semanas e opera todo mundo de uma vez”.

Ainda de acordo com o profissional, muitas mulheres acabam sendo influenciadas por médicos com a pseudo indicação de cesárea, falando para elas que não irão conseguir porque o bebê está grande demais, que o cordão umbilical está enrolado no pescoço, que a mulher está com pouco líquido, dentre outros apontamentos. Como é um momento sensível e a gestante é leiga no assunto, acaba confiando cegamente no que seu médico diz. Além disso, a psicóloga e Doula Daniela afirma que, com a hospitalização dos partos, as mulheres começaram a não serem mais vistas como capazes de parir. “É como se as máquinas tivessem que existir para as mulheres parirem. Então hoje, nós temos um cenário ainda de intervenção sobre o corpo da mulher, como se a sociedade tivesse deixado de acreditar que a mulher não tinha mais condições de parir. São olhadas só como um corpo a trazer outro corpo, e ainda assim defeituoso, porque ‘eu preciso ir lá, eu preciso cortar, eu preciso empurrar’. Deixa a mulher lá e não interfere para ver do que ela é capaz? As mulheres são capazes de parir se você não atrapalhar”.

[1] YAZBEK, Priscila. Brasil está entre campeões de cesaréa – e bem longe de mudar. Revista Exame. Disponível em: (https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/brasil-e-vice-campeao-em-cesareas-e-esta-bem-longe-de-mudar/). Acesso em: 10 mar. 2018.

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Crédito da imagem: CC0 Creative Commons

Capítulo do livro:A dor do amor?

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