O que é violência obstétrica e quem ela afeta?

publicado na Ed_08_jul/set.2018 por

Caro leitor, o que vem na sua mente quando pensa no nascimento de uma criança? Bom, na minha, é como se a esperança de um mundo renascesse e se renovasse naquele momento, é um momento de alegria pensar em um parto. Porém, nem sempre é assim que as pessoas se sentem ao parir.

O parto, há milênios, é visto como o tabu do sofrimento de geração em geração. A mulher aprende que parir dói. Na Bíblia, segundo Vale e Delfino (2003)[1], a dor relacionada ao parto é uma punição de Deus à Eva, que desobedeceu a única ordem que havia sido colocada para ela no Jardim do Éden, comer a maçã. Desde então, o livro sagrado apresenta diversos relatos que mostram o sofrimento das mulheres na hora do parto. Em Gêneses, capítulo 3, versículo 16, diz: “Darás à luz com dor os filhos”. Outro livro relata que a punição dada às mulheres é o Apocalipse, versículo 12, 1: “Apareceu no céu uma mulher vestida de sol e a lua abaixo de seus pés e uma coroa com doze estrelas sobre sua cabeça; estando grávida, clamava com dores do parto, e sofria tormentos para dar à luz”.

Para o autor Diniz (2005)[2], por muito tempo o parto era considerado um evento medonho para as mulheres, invasivo e relacionado a dor. No entanto, com o avanço da tecnologia, o autor defende a ideia de que a relação do parto com o sofrimento iria acabar.

Infelizmente, a realidade é outra. A obra em questão evidencia, em vários momentos, que mesmo com a migração dos partos para um ambiente hospitalar, esse sofrimento ainda está longe de acabar.

A dor natural dá lugar à violência obstétrica, que tem como definição, segundo a psicóloga e Doula Daniela de Almeida Andretto, ser um procedimento feito sem necessidade. “É uma intervenção desnecessária, de forma violenta, desrespeitosa e abusiva ao corpo e a integridade da mulher. Passando pelo procedimento sem ser comunicada. Podendo ocorrer em qualquer situação que ela passe pela obstetrícia, pode acontecer no posto de saúde ou hospital particular. E não está ligado somente a questão física, por exemplo, como machucar uma mulher. A violência obstétrica também pode acontecer em uma comunicação, na forma do tratamento dessa mulher, uma palavra agressiva, algo que faça a mulher se sentir diminuída, por exemplo, coisas muito comuns que podem achar engraçadinhas, mas que são uma forma de violência obstétrica, durante o parto a mulher sente dor e começa a gritar, e ai alguém vem e diz  — “na hora de fazer você achou bom né? E agora você grita? ”.

A violência obstétrica no Brasil, segundo uma publicação feita pela fundação Perseu Abramo (2013)[3], mostra que uma em cada quatro gestantes sofreu com a violência no parto. A rede pública de saúde é a que registra o maior índice com 74% e o sistema privado somou 17% desses casos.

Em uma Campanha feita pelo Ministério da Saúde (2014), publicada pelo Blog da saúde[4] para conscientizar sobre o racismo dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), mostra que as mulheres negras recebem menos atendimento médico e têm a maior taxa de morte. A pesquisa revela que 46,2% das mulheres brancas recebem o tempo necessário no acompanhamento de parto, e apenas 27% das mulheres negras recebem o mínimo de atendimento. Outro fator importante é a taxa de mortalidade entre as mulheres negras. Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, o SIM, do Ministério da Saúde, mostra que 60% das mortes maternas ocorridas são em mulheres negras e as brancas representam 36% desse número.

A publicação da Fundação Perseu Abramo ainda recolheu as frases mais ouvidas durante o parto como: “não chora não que ano que vem você está aqui de novo”, “na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe, porque está chorando agora?”, “se gritar eu paro agora o que eu estou fazendo, não vou te atender”, “se gritar vai fazer mal para o seu neném, seu neném vai ficar surdo”.

A psicóloga Daniela explica que o grito é uma forma de expressar o que está sentindo e que muitos hospitais proíbem as mulheres de fazerem isso, o que também é uma forma de violência. “Grito tem a ver também com um alívio, ou colocar os monstros para fora, colocar para fora os medos, gritar também tem uma ligação fisiológica para facilitar a abertura do períneo e aí você manda essa mulher não gritar? Se a gente grita quando está feliz, quando passou em um concurso, se a gente grita quando vê alguém que não vemos há muito tempo, damos um berro, grito e voz estão ligados a alegria, manifestação de uma situação. Então no trabalho de parto em que a mulher está vivendo uma superação constante de dor e evolução, é muito comum que essas mulheres gritem. Agora se um hospital onde a mulher não é respeitada e se ela gritar a equipe ficar brava, é melhor não gritar, porque se sem gritar eles já fazem intervenções e ela sofrendo com uma dor horrenda, imagina se gritar”.

Segundo Igor Padovesi, proprietário de uma clínica especializada em partos humanizados e médico no hospital Albert Einstein em São Paulo, a questão passa, plenamente, pela formação do profissional, que sempre foi mais intervencionista e com procedimentos invasivos como rotina para acelerar o processo. “Eu entrei na residência em 2009, internávamos e colocávamos ocitocina (ocitocina é um remédio para a aceleração do parto), já rompia a bolsa, e fazia nascer de parto normal. Parto normal é melhor? É melhor, mas muito intervencionista e muitas vezes não precisa. Às vezes há um monte de intervenções que não têm sentido fazer para todo mundo. Muitas dessas coisas na verdade. Não é tudo ou nada!”.

REFERÊNCIAS

[1] PREMISES, Nine BiblicalAnesthetic. As nove premissas anestesiológicas da Bíblia. RevBrasAnestesiol, v. 53, n. 1, p. 128-130, 2003.Disponível em: (http://www.scielo.br/pdf/%0D/rba/v53n1/v53n1a15.pdf). Acesso em: 10 mar. 2018.

[2] DINIZ, Carmen Simone Grilo. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência & saúde coletiva, v. 10, p. 627-637, 2005. Disponível em: (https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232005000300019&script=sci_arttext&tlng=). Acesso em: 10 mar. 2018.

[3] Fundação Perseu Abramo. Violência no parto: Na hora de fazer não gritou. 2010. Disponível em: (https://fpabramo.org.br/2013/03/25/violencia-no-parto-na-hora-de-fazer-nao-gritou/). Acesso em: 10 mar. 2018

[4] Blog da saúde. Campanha mobiliza a população contra racismo no SUS. 2014. Disponível em: (http://www.blog.saude.gov.br/index.php/34777-campanha-mobiliza-a-populacao-contra-o-racismo-no-sus). Acesso em: 10 mar. 2018

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Crédito da imagem: CC0 Creative Commons

Capítulo do livro:A dor do amor?

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