Votei no Bolsonaro no primeiro turno e no Haddad no segundo

publicado na Ed_14_jan/mar.2020 por

Augusto Matraga. 20 anos. Paulistano. Filho de pais que integravam a classe média-alta durante meados dos anos 2000, mas que faliram. Mudou-se para o interior. Vive na cidade de Atibaia. Terra do suposto sítio do Lula. Sonhava em ser militar do exército. Estudou durante dois anos para entrar na EsPCEx. Não conseguiu. Eleição de 2018. Votar em quem? A mãe dele pede para votar no Bolsonaro. Primeiro turno: tecla 1-7, aperta “confirma”, aparece na urna “Jair Bolsonaro”. Segundo turno: tecla 1-3, aperta “confirma”, aparece na urna “Fernando Haddad”. Prestou economia. Ingressou na USP. Recebe auxílio-moradia para conseguir pagar o aluguel de uma kitnet — vamos a ele.

Em um espaço público na Cidade Universitária do Butantã da Universidade de São Paulo (USP), Augusto e eu estamos sentados em uma mesa longe da circulação de pessoas. Ninguém poderia saber que um menino de uns 1,70m de altura, talvez uns 70 quilos, corpo físico de uma pessoa que não costuma praticar atividade física, mas que também não possui hábitos alimentares ricos em gordura ou açúcar, com sua barba não feita, com seu cabelo não tendo sido cortado nos últimos três meses, tivesse votado no Bolsonaro.

Com língua presa que dificulta a pronuncia o “r”, que faz com que o “garoto” soe como “garroto”, que responde com os olhos fugindo para os lados, talvez por vergonha, talvez com medo de alguém ouvir a nossa conversa, sua voz que oscila entre o alto, nos momentos em que não há pessoas próximas a nós, e o baixo, quando estranhos se aproximam. Atentamente, houve as minhas perguntas, pede tempo para pensar para responder. Parece um pouco tenso por ver que eu, amigo desde o ensino Médio, estava ali agora na função de entrevistador.

Origens

A vida dele foi fluída. Filho de pais que possuíam bens na cidade de São Paulo, estudou boa parte de sua infância em colégios particulares. Tinham casa própria. Seus pais nunca votaram nos candidatos petistas. O prestígio por ter carros do ano, por estar vivendo em regiões nobres de São Paulo é algo expressivo para qualquer pessoa que está nas classes A e B. 

Porém, quando as crises começaram a impactar na economia, os pais de nosso personagem foram duramente atingidos. Acumularam dívidas, e seu pai, único que trabalhava, perdeu o emprego de gerente em uma companhia de seguros. Duro golpe a qualquer um que pretendia alcançar maiores prestígios frente à elite paulistana.

Mudança para Atibaia

Atibaia é uma cidade que está a 60 quilômetros da capital paulista. Tem cerca de 120 mil habitantes. Fica localizada no meio de um triângulo que tem em suas pontas, além de São Paulo, São José dos Campos e Campinas.

É a cidade do morango. Ela é assim conhecida por ser uma das principais cidades produtoras da fruta no Brasil. Sair de São Paulo significa abrir mão do crescimento econômico. Dificilmente alguém do interior consegue crescer economicamente, como ocorre com os empresários paulistanos. A cidade do morango é mais turística do que econômica.

Augusto muda de cidade. 

O município, por ser pequeno, não possui muitas escolas. Dentre as três com melhores desempenho, apenas uma era pública. A Escola Técnica Prof. Carmine Biagio Tundisi (ETEC) é administrada pelo Centro Paula Souza e, para ingressar, é necessário realizar um processo seletivo.

“Se você não passar na ETEC, estudará em escola estadual”. Essa é uma frase muito pesada para qualquer pessoa que tinha uma vida um tanto quanto aristocrática, mas que agora vive a dura realidade de não ter mais tantos privilégios. Seu pai foi quem deu esta quase sentença de morte. Por sorte, ele conseguiu ser aprovado.

Vida na escola pública

Augusto Matraga fez o ensino Médio na ETEC. Em sua classe, boa parcela dos estudantes eram de escolas públicas. Esse era o primeiro ano dele. A realidade era diferente. Na mesma sala existiam pessoas milionárias e outras pobres. Pessoas que provavelmente morariam nos bairros paulistanos do Jardins, que é predominantemente composto pela elite da cidade, e outras em Paraisópolis, favela. Uns eram levados em carros luxuosos, enquanto outros iam de transporte público. Esse contraste tão gigante dentro de uma turma composta por cerca de 40 pessoas era algo diferente. Ele cursou os três anos do ensino Médio nesta escola

Estudou com brancos, pretos, amarelos, héteros, homossexuais, bissexuais, católicos, protestantes, espíritas, ateus, agnósticos, budistas, feministas, machistas, racistas, xenofóbicos, comunistas, fascistas, homofóbicos. 

Relação social

Augusto se relacionava bem, ao menos dentro da escola, com todos. Com uns, ele conversava mais. Os assuntos que ele mais falava eram jogos e História. Nos jogos, CS (Counter Strike, jogo de tiro que simula o conflito em a polícia e terroristas) e GTA (Grand Theft Auto, jogo de conflito de gangues) eram favoritos. Na História, ele amava falar sobre as guerras mundiais, principalmente a primeira. 

Quase sempre, reclamava por morar longe. Mesmo a cidade sendo pequena, ele demorava mais de uma hora para chegar ao colégio. Quase sempre dependia do transporte público.

Quando se falava sobre dinheiro, ele era chamado de “mão de vaca” pelos amigos. 

Sonho de entrar na EsPCEx

Entrar na EsPCEx é dar um grande passo para uma grande carreira no exército. Nosso personagem via nela a possibilidade de poder ascender socialmente. Ele não sabe, ao certo, se era o seu sonho. Devido à sua família venerar as forças-armadas, assim como boa parte dos eleitores do Bolsonaro, Augusto foi influenciado. Ele diz:

— A minha mãe me estimulou muito a querer seguir essa carreira porque ela também acha muito legal e estava muito interessada na estabilidade financeira que ser um oficial do exército permite.

EsPCEx é a Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Ela é a porta de entrada para o ingresso à AMAN, Academia Militar das Agulhas Negras, uma das principais escolas de ensino superior militar. Jair Bolsonaro ingressou na escola de cadetes em 1973.

A vida no exército costuma representar estabilidade. Não apenas na carreira, pois dificilmente um integrante dele costuma ser desligado, mas também pela financeira. Grandes salários, muitos benefícios, aposentadoria especial… Apenas por estudar na EsPCEx, o estudante tem direito a um auxílio de estudos pouco superior a um salário mínimo, R$ 1.066,00 em 2019, e quando formado, recebe a patente de aspirante-a-oficial, o que garante uma remuneração de R$ 6.993,00, que representa mais de sete salários mínimos. Além disso, há gratificações que fazem com que aumente o valor recebido pelos militares, como o adicional militar, relacionada ao grau hierárquico — quanto maior o grau, maior o benefício. Esses fatores costumam seduzir muitos jovens.

Surge então o sonho de seguir a carreira militar. Matraga começou a estudar durante o seu terceiro para o vestibular da Escola Preparatória. Fazer cursinhos costuma ser caro. Além disso, na cidade, os cursos focam na Fuvest, Comvest, e Vunesp – vestibulares da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), respectivamente. Cursos preparatórios para a EsPCEx costumam estar em São Paulo e Campinas. 

Augusto, então, decidiu estudar no GAUSS, curso comunitário oferecido normalmente aos sábados para estudantes que prestarão vestibular, concomitantemente ao seu último ano de ensino Médio. Ele é gratuito e as aulas são ministradas de maneira voluntária por professores e alunos. Durante meados de 2016, enquanto fazia esse cursinho, ele me dizia: “Era um marzinho vermelho e eu era o pontinho azul no meio”. 

Pais odeiam o PT

A classe média brasileira foi fundamental para a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2002. Durante os períodos em que ele não tinha a aceitação desse grupo, não conseguiu ser eleito.

Porém, as políticas sociais não interessavam a esse grupo. Imagine só que triste seria ver o porteiro do seu apartamento dividindo com você o mesmo vôo para Nova Iorque… 

Os pais de Augusto, embora não integrem mais as camadas abastadas, compartilham com isso. Sua mãe até concorda que Lula fez coisas boas. Mas votar no Lula? Isso jamais. Seu pai é ainda mais direto. Tem ódio do Partido dos Trabalhadores. Esse ódio faz sentido. Foi durante o governo do Lula que eles perderam todo o dinheiro. No governo Dilma, as dívidas só aumentaram. Augusto não sabe ao certo quanto seu pai recebia, mas estima algo entre 7 e 10 salários mínimos, o que significa pelo menos R$ 7.000,00 mensais na atual cotação.

Porém, principalmente durante os governos de Lula, o Brasil teve um grande crescimento econômico. Em 2002, o Brasil tinha o 13º PIB do Mundo, segundo o Banco Mundial. Nove anos depois, o país alcançou a sexta posição. Simultaneamente, o salário do Brasileiro cresceu em termos reais, ou seja, acima da inflação anual, resultando em maior poder de compra. As taxas de desemprego diminuíram, chegando a apenas 4,3% de desocupados em 2014, conforme a Pesquisa Mensal de Emprego, ampliando  o mercado consumidor. A economia melhorou para toda a população.

Contudo, a família de Matraga seguiu caminho contrário. E isso se deve à ingerência dos pais, pois não havia a preocupação com o futuro.

— Meus pais eram o tipo de pessoa que começava o mês com a conta cheia e terminavam com ela quase vazia. Não tinha gerenciamento decente e eles nem pensavam em investimento.

E o pai de Matraga odeia “vermelhinhos”.

O fracasso

No último ano do ensino Médio, em 2016, prestes a completar 18 anos, Augusto prestou a prova da EsPCEx e foi reprovado. 

Ano seguinte, decidiu que faria cursinho preparatório na escola do Marechal, um dos principais do Brasil no que tange ao ensino para o ingresso às escolas militares, para se preparar melhor, afinal o GAUSS não o preparou suficientemente, sobretudo por dispor de aulas apenas ao finais de semana. O cursinho preparatório para a prova da escola de cadetes era muito caro. Os pais continuavam desempregados. Eles sobreviviam apenas com o aluguel de um apartamento em São Paulo. Além disso, nosso personagem teria que mudar para a capital paulista, pois as aulas eram em período integral.

Sua avó, moradora da capital, tinha uma condição socioeconômica mais favorável. Aposentada, decidiu ajudá-lo pagando o cursinho integralmente. Outra ajuda que veio foi de uma de suas tias. Ela cedeu um quarto para que ele ficasse.

Em seu primeiro ano de curso, não conseguiu passar.

Em seu segundo ano, não concluiu o cursinho. Era muito caro e repetia o que havia aprendido. Fez a prova e não passou.

Lula preso

Lula é um dos principais personagens políticos brasileiros. Ele move paixões e ódio. Petistas o idolatram. Antipetistas sentem repulsa. O pai de Augusto era antipetista.

No dia 7 de abril de 2018 surge um mandado de prisão contra o ex-presidente. Segundo a condenação de Sérgio Moro, ele teria utilizado de seu cargo para receber benefícios indevidos de construtoras – caso do triplex de Guarujá e do sítio de Atibaia.

Lula foi preso.

Os diferentes veículos de imprensa cobriam ao vivo. O Globo News fez um plantão. Os antipetistas comemoraram a prisão. Bandeiras do Brasil eram vistas nas varandas, carros saíam nas ruas buzinando e gritando “Lula Ladrão”. Na Avenida Paulista, os manifestantes celebravam.

Com o pai de nosso perfilado não foi diferente.

Ele pegou uma garrafa de vodka, abriu e bebeu.

— Em casa, acompanhamos a prisão do Lula pela TV. Meu pai começou a comemorar.

“Você está ficando vermelhinho”

Durante o momento em que seu pai estava alcoolizado, uma discussão surge: cotas.

— A gente começou a falar sobre política e o assunto chegou na questão de cotas, a qual ele disse que era contra e eu disse que era a favor. Então, ele disse que eu estaria ficando com “ideias muito vermelhas” na minha cabeça.

Período pré-eleições

O primeiro turno das eleições ocorreu dia 7 de outubro. Lula era candidato até um mês antes dessa data, quando foi indeferido do pleito por ter sido condenado em segunda instância. Em seu lugar, surgiu Fernando Haddad, que foi prefeito de São Paulo, justamente no período em que Augusto Matraga residia no município. Jair Bolsonaro, ex-militar do exército, surgia como oposição ao petista. Além dos dois, Guilherme Boulos, candidato de esquerda, Ciro Gomes, candidato de centro-esquerda, Marina Silva, candidata de centro-direita, Geraldo Alckmin, candidato de centro-direita, João Amoêdo, que representava uma direita liberal, figuravam como principais candidatos. Matraga, em 2018, não se atentava à eleição que se aproximava. Ele sequer chegou a estudar os candidatos.

— Eu tinha acabado de falhar pela terceira vez consecutivamente na prova da instituição que queria entrar. Eu estava muito mal. Foi um período em que eu não me importava com política. Ficava em meu quarto praticamente de luto. Eu achava que tinha jogado fora três anos da minha vida. Eu não estava vendo jornal, não estava vendo notícias, não falava com meus amigos e nem nada.

Bolsonaro, meses antes da eleição, foi vítima de uma facada em seu tórax. Após esse evento, ele ganhou maior notabilidade das mídias. Até então, ele dispunha de pouco tempo de visibilidade nas emissoras. Seu principal meio de campanha era as redes sociais e aplicativos de mensagens. Além disso, ele conseguiu ampliar toda a visão antipetista existente para angariar apoio. As elites brasileiras (ou os que queriam estar inseridos nela) compraram esse discurso e o apoiaram. A família de Augusto, idem.

Primeiro Turno

Augusto Matraga não sabia em que votar. Nesse vazio, surgiram os seus pais.

— Eles falaram que iriam votar no Bolsonaro só para não votar no Haddad. Aí eles me falaram ‘vota no Bolsonaro’. Falei ‘ah, vou votar no Bolsonaro, foda-se’.

Em certo momento, ele queria que não acontecesse o segundo turno. Seria melhor que tudo acabasse logo. A decepção consigo mesmo era maior que a utopia da espera por mudanças políticas. Não existia mais esperança.

Portando seu Título de Eleitor, o entrega para o mesário. Assina uma lista para confirmar sua presença na eleição. O mesário indica para ir até a urna e votar. Vota para deputado, dois senadores, para governador. Aparece na tela “PRESIDENTE”. Há dois quadrados no lado direito do visor da urna que indica o número dos candidatos. Calmamente, ele aperta primeiramente a tecla “1”. Em seguida, tecla “7”. De repente surge a foto de Bolsonaro no canto esquerdo da tela. Caso tenha votado corretamente, basta apertar “CONFIRMA”. Se digitou errado, há um botão em vermelho “CORRIGE”. Ao lado esquerdo, há um botão “BRANCO”, caso não queira votar em nenhum dos candidatos. Sem hesitar, ele confirma o voto.

Por volta das 20h00, o resultado das eleições. Se o candidato mais votado possuísse metade mais 1 dos votos válidos, ele seria eleito. Jair Bolsonaro havia sido o mais votado (46,03%), mas não conseguiu obter a maioria. Haveria o segundo turno, marcado para o dia 28 do mesmo mês. O rival seria o petista Fernando Haddad (29,28%).

Na madrugada seguinte ao primeiro turno, Mestre Moa do Katendê, Romualdo Rosário da Costa, foi assassinado em Salvador (BA). Motivo: briga por política. O mestre teria dito que era contra Bolsonaro. Após discussão, ele recebeu uma sequência de golpes à faca. Casos semelhantes aconteceram e era muito mais perceptível a que vinha dos apoiadores de Jair.

Briga entre amigos

A polarização política representa, também, a dificuldade em se relacionar com o outro. Existe um conflito quase existencial. A existência de um afeta a existência do oposto. Nas redes sociais, nos grupos de aplicativos de mensagens de famílias, em conversas com colegas… Em todos esses ambientes, os conflitos eram recorrentes. Muitos deixaram de se relacionar com determinadas pessoas simplesmente por elas não possuírem a mesma visão política.

— Muitos dos meus amigos ficaram surpresos com meu voto. Eles começaram a questionar o meu posicionamento político, até porque eles sabiam que eu não era muito interessado no assunto.

Em um caso específico, um de seus amigos deixou de conversar com ele. Tudo isso fez com que Augusto Matraga refletisse sobre seu voto.

Segundo Turno

A cada dia que se aproximava do segundo turno, Augusto desenvolvia mais interesse em fazer diferente. Ele queria estudar os candidatos, analisar as propostas de governo e, assim, decidir em quem votar. Ao contrário do primeiro turno, buscou notícias e informações.

— O principal ponto que não gostei foi o descanso dele com a ecologia, porque eu acredito que as economias deveriam ser verdes.

Ele acessou os sites de notícias e viu o caso do Mestre Moa. Aquilo foi um divisor de águas.

— O posicionamento das massas que apoiavam Bolsonaro me fez ser contra a subida dele ao poder, porque só dele subir, já é um símbolo que dará maior confiança para esse lado radical do país, e acho isso muito negativo. O Bolsonaro é mais querido pelas elites e, se elas se sentirem mais radicais para realizar violência, o impacto é maior e mais severo. Esse grupo tem meio para interagir com as forças do Estado.

Dia 28: Augusto Matraga chega na escola onde está a sua sessão eleitoral. Entrega os documentos. Assina a lista de presença. O mesário indica para ir até a urna. Uns vinte passos são dados. Dessa vez, são apenas dois votos: governador e presidente. Ele digita os números do governador e confirma. Agora é a hora de votar para presidente.

A primeira tecla apertada é o “1”. Ele poderia digitar “7”, que indicaria Bolsonaro, ou “3”, que indicaria Haddad. Os dedos tocam a tecla. De maneira quase imediata, aparece “Fernando Haddad”, justamente com a vice, Manuella D’ávila. O dedo indicador confirma o voto.

Vergonha por ter votado em Bolsonaro

— Eu tenho vergonha de ter votado no Jair Bolsonaro, principalmente vendo o descaso dele com o meio ambiente, a política de transformar o Brasil em fornecedor de matéria-prima dos Estados Unidos, ele abandonando todo o poder político do país no continente sul-americano e na Costa Oeste da África… O Brasil está recuando as fronteiras de influência e retrocedendo para um Estado dependente dos americanos.

Cerca de 10 meses após as eleições, período a qual realizei a primeira entrevista com Augusto Matraga, de antemão ele me indica sentir vergonha por ter votado em Bolsonaro. Isso pode ser observado pelo fato de eu necessitar chamá-lo com o nome da personagem do livro “A hora e a vez de Augusto Matraga” de Guimarães Rosa. Logo nos primeiros minutos de conversa, me solicitou para não dizer seu nome. Claramente, aceitei. Inclusive, demorei dias para encontrar um apelido, tendo chegado a Matraga pois, assim como nosso personagem, ele, no decorrer da obra, mudou. Se antes era assassino, agora arrependeu-se.

Outra forma de observar a vergonha é que o nosso Augusto pediu para que a conversa fosse em um lugar longínquo, sem que outras pessoas pudessem nos ouvir.

 Pais não sabem que Augusto votou no PT

Ter votado em Fernando Haddad trouxe consequências. Se, por um lado, ele se sente confortável por não ter votado em Jair, por outro, não contou para seus familiares sobre o voto. A maioria de seus entes apoiaram Bolsonaro.

— Para os meus pais e para toda a minha família, votei do Bolsonaro no primeiro e no segundo turno. Eu não conto, pois não estou interessado em ter meu pai me chamando de comunista na minha própria casa, sendo que sou liberal. Se eu contasse, meu pai brigaria comigo e minha mãe brigaria por eu ter escondido dela e a minha família poderia achar desagradável. Contar geraria muitos atritos desnecessários, então não valeria a pena.

Augusto ingressa na USP

Em fevereiro de 2019, Augusto Matraga foi aprovado no curso de Economia na Universidade de São Paulo (USP) através das cotas de Escola Pública do Sisu – Sistema de Seleção Unificada, desenvolvida pelo governo Lula, possibilitando que alunos fosse aprovados em universidades públicas a partir de seus desempenhos no ENEM. Inicialmente, isso nunca esteve nos planos. Mas, após ter se frustrado com a EsPCEx, tornou-se uma alternativa. Mesmo com poucos meses de curso, muitas de suas visões sobre economia e sociedade se alteraram.

Embora ingressar na USP tenha seu prestígio, Matraga só conseguiu se manter em São Paulo com a ajuda, novamente, de sua avó. Por não ter condições financeiras, buscou auxílio da faculdade para que o sonho de realizar um ensino superior acontecesse. O processo de seleção de bolsas é um pouco demorado. Ele pediu auxílio-moradia e auxílio-refeição, bolsas de R$ 400,00 (praticamente 40% de um salário mínimo) para ajudar no custeio do aluguel e o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar nos restaurantes universitários gratuitamente. Enquanto o resultado da seleção não acontecia, ele residia na casa de sua avó, que fica há mais de duas horas de distância da USP utilizando transporte público. Aprovada a bolsa, mudou-se para uma kitnet vizinha à Cidade Universitária.

Em quem votaria hoje?

Um ano após as eleições de 2018, pergunto a Augusto em quem ele votaria hoje no primeiro turno.

— …calma, é uma pergunta difícil… Ele tem muitas coisas que ainda não concordo, mas eu votaria no Partido Novo, no João Amoêdo. Eu votaria por causa da premissa de reduzir o Estado e pela política econômica.

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Crédito imagem da capa: Pixabay License

Capítulo do livro: Perfis recomeços

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