Aldenir

publicado na Ed_14_jan/mar.2020 por

Dona Aldenir é uma senhora de 71 anos que trabalha jogada.

Por que digo “jogada”? Porque ela ganha a vida sentada — quase deitada… parecendo uma moradora de rua — sobre o chão da calçada em frente ao prédio do FIAM-FAAM na Rua Vergueiro (perto da Estação Ana Rosa), oferecendo seus docinhos por apenas R$ 1.

“Um real, um real, um real. Um real, um real, um real. Um real, um real, um real…”, ela repete, repete e repete… com sua voz anasalada quase inaudível, sem a menor criatividade, mas com um visível esforço, de dar dó…

Dá tanta dó que as pessoas até param pra conversar com a senhorinha. Uma vez, minha “querida” Fabíola Paes Tarapanoff (professora e orientadora) contou ter perguntado com toda sua bondade, simplicidade e simpatia, depois de comprar um dos doces de Aldenir: “Olá, como a senhora está?”. Em outra ocasião, flagrei uma ruiva linda — da pele clara como uma manhã de primavera e usando roupa preta de ginástica — conversando com a idosa. Parecia estar interrogando-a, educadamente ou apenas puxava assunto, como uma boa menina…

Infelizmente, a única parte que consegui ouvir da conversa foi aquela em que Aldenir dizia ter vindo de algum lugar de Pernambuco… Pra ser sincero eu não sei… não ouvi direito. A única frase que posso lhes garantir ter ouvido foi “lá em Pernambuco”. Talvez ela dissesse apenas ter saudades de lá… que tem familiares por lá…

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Os doces que Aldenir vende não são brigadeiros, beijinhos ou bolinhos — doces que nos enchem a barriga em festinhas de criança. Também não são pães de mel, trufas (…), geladinhos gourmet ou pudins (doces que levam uma madrugada ou uma tarde inteirinha sendo preparados). São doces simples, daqueles que a gente pode encontrar em qualquer canto: bancas de revista, nos vagões de trens e metrôs (onde os jovens vendem apressados, muitas vezes, pois temem a repressão dos guardas) ou nos semáforos das grandes cidades, onde garotos desnutridos e maltrapilhos também fazem uns malabarismos, a fim de levantar uns trocados das mãos dos aborrecidos no trânsito.

São doces que geralmente, pagamos apenas “um real, um real” por eles.  Os doces são: paçoquinhas minúsculas de R$ 0,50, balinhas de goma e pacotinhos de Fini – contendo apenas três balas dentro — de inúmeros sabores e cores (morango, uva, verde, vermelho, roxo…). Esses pacotinhos, Aldenir segura firmemente nas duas mãos e se desata a repetir: “Um real, um real, um real”. É como se implorasse para que as pessoas atendessem às suas preces, dando-lhe uma moeda, mas levando um doce pra casa…

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Devido à sua baixa estatura (a velhinha Aldenir tem mais ou menos a altura das crianças que por ali passam), a localização onde permanece vendendo seus docinhos de 1 real (sentadinha, quase escondida, na calçada por onde todos passam) e à sua baixíssima voz, Aldenir é quase invisível em meio à multidão apressada. Mesmo assim os jovens — jovens, pois na calçada da Rua Vergueiro há faculdades, escolas e cursinhos — param pra ajudar a velhinha, dando-lhe 1 real e indo embora com um pequeno docinho.

“1 real, 1 real, 1 real….”

Enquanto negociava uma entrevista com Aldenir, testemunhei uma fada generosa comprando umas de suas balas. Estando a linda garota com três pacotes de Fini em mãos — e um de balas de goma — Aldenir começou a revirar os bolsos de suas calças, dizendo com toda sua humildade: “Vou pegar seu troco”, para que a mocinha, mais humilde ainda dissesse: “Ah não, pode ficar!”.

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Aldenir tem o cheiro do trabalho pesado e da idade avançada. Um cheiro (forte!) que só os que estão há anos na luta, na correria do dia-a-dia, em uma grande cidade como São Paulo têm.

Soube que ela também vende seus doces aos finais de semana — isto é, além de vender de segunda a sexta, pelas manhãs, em frente ao prédio da faculdade. Inclusive vendia naquele sábado ensolarado, em que tomei três conduções — duas de ônibus e uma de metrô — para chegar à Vila das Mercês (próximo ao Metrô Saúde) e ela me dizer que já estava indo embora…  Contou também que seus dias são realmente uma correria: ir ao Centro da cidade comprar os doces para revender, cuidar de seus bichos de estimação, dar atenção ao filho e aos netos…

Ela também declarou morar em uma favela muito distante e desconhecida. E que devido à correria de ambos — ela trabalhando muito, eu fazendo TCC…— ia ficar difícil nos encontrarmos naquela localidade. Pior (e mais interessante) de tudo: Aldenir disse que não pode vender os doces enquanto conversa com um jovem jornalista:

“Eu preciso ficar oferecendo a quem passa. Ninguém vai parar pra comprar se eu ficar olhando para o lado, conversando contigo”. Isso foi uma flechada… mas por outro lado, entendi o lado da senhorinha trabalhadora.

Uma pena — para todos nós – não poder conhecer um pouquinho mais da história de dona Aldenir, por causa de tanto trabalho e pouco tempo… mas de uma coisa a seu respeito ficamos sabendo: “Vish menino, a minha vida é uma novela”.

Crédito imagem da capa: Pixabay License

Capítulo do livro: Cidade: Centro & Periferia

Titulo original: Aldenir: a velhinha que vende doces em frente à faculdade

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