Foi dito: ‘Aquele que se divorciar de sua mulher deverá dar-lhe certidão de divórcio’. Mas eu digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, faz que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério.
Mateus 5:31-32
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A previsão era de chuva para o dia 8 de março. Levamos o guarda-chuva que ainda estava molhado da tempestade do dia anterior, junto com o cartaz que havíamos feito quatro dias antes. Mas para a alegria de muitas, e tristeza de outros, o dia estava lindo!
A Avenida Paulista é uma belezura de dia, de noite, com sol, com chuva. Mas nesse dia em especial, ela estava perfeita. Na maioria das manifestações que começam no MASP, a Paulista se enche de cor vermelha, verde e amarelo, azul e branco. No dia 8, ela estava rosa e lilás, para representar o movimento das mulheres.
Milhares delas foram às ruas protestar contra a violência, o feminicídio, o assédio, a desigualdade, a legalização do aborto e contra a reforma da previdência. E nós éramos duas entre tantas, e alguns homens.
Procuramos nas fontes oficiais, como a Policia Militar e Prefeitura, o número de manifestantes nesse dia. Não encontramos. Para falar a verdade, não vimos em lugar algum coberturas sobre a manifestação. Se você fizer uma busca rápida no Google verá que as únicas notícias são de veículos menores, como Mídia Ninja, que normalmente faz a cobertura desses movimentos.
Independentemente dos números, que muitas vezes são mascarados pela mídia ou pelos órgãos que fazem este levantamento, nós estávamos lá e vimos com nossos próprios olhos que havia muitas, muitas mulheres. Mulheres com seus filhos, com seus companheiros ou companheiras, com seus bichos de estimação, pais, avós e mulheres com seus cartazes. Um mais criativo que o outro, como por exemplo: “Homens, apenas parem!”.
Mesmo com muita divulgação e ações nas redes sociais, o número de mulheres da frente evangélica presente, foi pequeno. Por isso, espalhamos os cartazes entre nós, e como ainda havia sobrado alguns, fomos revezando. Partimos do MASP e descemos sentido a Brigadeiro Luís Antônio, trajeto comum de manifestações, cantando, gritando, rindo, se emocionando e lutando.
Foi a nossa primeira manifestação. E foi emocionante. Poder ver que existem muitas outras que lutam por seus direitos é encorajador, pois a nossa luta não tem data para acabar, vai ser árdua, longa e difícil, e talvez nós nem iremos presenciar as mudanças que tudo isso vai causar na sociedade. Quem sabe a próxima geração tenha mais sorte e possa usufruir da liberdade de ser mulher?
Muitos ônibus estavam parados, aguardando a mulherada descer para a Praça da Sé e liberar a passagem. Alguns passageiros, voltando do trabalho, indo para casa ou para a faculdade, acenavam para nós enquanto gritávamos “vem pra rua, vem!”.
Entre as cenas que mais chamaram a nossa atenção está a de algumas passageiras levantando-se de seus lugares, pedindo para o motorista abrir a porta e descer para se juntar a nós, para participar da manifestação.
Algumas de salto e roupas social, outras com mochila, jeans e tênis. Como o trajeto é repleto de edifícios, as janelas e varandas foram tomadas por curiosos, entre algumas empregadas domésticas, que apareciam com seus uniformes e levantavam o punho, recebendo uma enxurrada de aplausos da multidão. Muitas choraram com o gesto.
Chegando mais perto da Sé, as organizadoras pediram para que nos sentássemos na rua. Uma imagem impressionante e linda de se ver. Em minutos a Brigadeiro Luís Antônio estava inundada de mulheres sentadas no chão, em silêncio ensurdecedor, transmitindo um veemente recado. Uma mulher com alto falante levanta e diz:
— Vou fazer uma pergunta, quero que levantem as mãos.
Sem pedir, a pergunta foi passada de bloco em bloco, até chegar ao final da marcha. E ela pergunta novamente:
— Quem de vocês já foi assediada?
Todas, enquanto repassavam a pergunta, levantavam as suas mãos. Todas.
— Quem de vocês já sofreu machismo na escola?
Todas.
— Quem de vocês já sofreu abuso?
Todas.
— Essa manifestação de hoje, é por isso! Que isso, não se repita mais! Pois, nossa luta é contra o machismo e é todo dia!
Aplausos tomam conta dos nossos ouvidos.
E eu, Bia, noto que algumas mulheres à minha volta estão chorando, com os punhos estendidos e cartazes com frases como:
“Quero o meu direito de ser mulher!”;
“Eu não mereço morrer por ser mulher!”;
“Quando eu digo não, é não!”.
Ilustrações: Milton Rocha Junior
Capítulo 05 do livro “Reféns da fé: mulheres evangélicas sofrem mais violência?“