“Uma mulher que sempre acreditou no mundo”

publicado na Ed_13_out/dez.2019 por

A história de Soninha Francine, vereadora de São Paulo

A nossa primeira entrevistada é bastante conhecida. Abriu as portas de seu gabinete no mês de setembro, o mesmo mês que celebramos o Setembro Amarelo, a campanha contra suicídio e depressão. Nas coincidências da vida, um momento recheado de conscientizações por parte das pessoas e que ela conhece muito bem.

Sonia Francine Gaspar Marmo, mais conhecida como “Soninha”, é natural da cidade de São Paulo e também residente da capital paulista. Têm 52 anos, três filhas e é casada. Em meio a emoções frustradas, mas também esperançosas, Sonia tem muita história para contar.

É uma pessoa que sempre acreditou que pudesse mudar o mundo por meio do que tivesse ao seu alcance. Na época de decidir o que queria para o seu futuro profissional, Sonia fez magistério no ensino médio, por ter a certeza de que ser professora de educação infantil fosse uma contribuição para o mundo. Após isso, foi jornalista durante muito tempo, em diversas mídias importantes, dentre elas MTV e TV Cultura, querendo fazer do seu trabalho a melhor contribuição possível.

Nesse momento entram suas frustrações. Com um discurso e posições libertárias para a época, Francine sofreu dificuldades para ser “aceita”. Sempre foi a favor da legalização da maconha e em um certo momento decidiu divulgar isso numa rede pública de televisão, a TV Cultura entretanto, a consequência foi o seu desligamento da empresa e até da mídia, de certa forma. Já estávamos próximo dos anos 2000, uma virada de século e, para Soninha, uma virada de vida. 

Resolve então entrar para a política com a ideia de ter mais possibilidades, mais poder para interferir no rumo das coisas.

A vida pessoal e a política

A Sonia Marmo sofre mais por desânimo, prostração, depressão. Quando volta para si mesma, tem que lutar contra esses bichos todos. Faz acompanhamento psicológico desde 2010 e confessa estar estável, por tudo que já passou. Já a Soninha Francine quando entra em ação, quando está na política, as coisas te afetam menos. A sensibilidade aos problemas é mais forte a partir do momento que chega em sua casa. Quando sai para a rua é uma nova realidade, uma outra vida.

Antes de entrar para a política as frustrações eram maiores. Sua vida de professora, voluntária, ativista e repórter era boa até o ponto em que as coisas teriam que tomar maiores proporções. Na hora em que precisaria ganhar duração, permanência, alcance, entra a política e muda todo esse contexto.

O fato de não ter mais vontade de fazer suas atividades voluntárias na favela e conviver com a precariedade desta população a enchiam de frustração e tristeza, mas ao mesmo tempo, a motivaram a entrar para a vida política quando iniciou o seu primeiro mandato na Câmara Municipal de São Paulo.

Em seu segundo mandato conquistado, voltou movida à disposição e confiança, acreditando que seria possível fazer a diferença e fazer melhor para os paulistanos.

A escolha do partido

Soninha tinha uma afinidade muito grande com o Partido dos Trabalhadores (PT) confiando em seus ideais e acreditando que aquilo poderia fazer a diferença na vida das pessoas, principalmente dos paulistanos. Era um novo momento na época do Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva chegara ao poder, depois de Fernando Henrique Cardoso, com uma esperança de renascimento e crescimento da vida dos mais pobres.

Por esses motivos, não precisou escolher um partido, já estava inserida naquele universo vermelho, só não era oficial pois não participava das atividades internas, mas o PT já fazia parte de sua vida.

Entretanto, durante o seu mandato, se decepcionou muito com os rumos que o partido ia tomando, com relação a diversos aspectos, desde representatividade feminina até questões políticas de fato. Se aproximou então do Partido Popular Socialista (PPS) e decidiu entrar neste novo universo com o propósito de que era um partido que fazia a sua auto análise política, se queixando de si mesmo, com o levante “a gente também não está satisfeito e queremos melhorar”, fazendo com que a representação seja de maior alinhamento e afinidade com o que a bandeira propõe.

As comparações

Sonia confessa que no PT não tinha espaço nenhum de fala. Havia um discurso de representatividade feminina, mas era cada uma por si. Ressalta que não foi assim sempre, pela presença de parlamentares importantes como Luiza Erundina e Marta Suplicy, mas em sua época não era algo expansivo. O machismo ainda imperava.

O movimento de mulheres não era um movimento que tinha uma certa credibilidade na direção geral. Na entrevista, ela conta sobre uma reunião ocorrida na época de campanha eleitoral com todas as candidatas a vereadora (não eram muitas, não tinha Lei de Cotas ainda). Nessa ocasião, não tinha a menor ideia se seria eleita ou não, portanto, seria um encontro para a apresentação das candidatas, mas algo fechado, um grupo falando por si, cuidando de si, uma turma isolada.

Mas Sonia então aconselhou suas colegas de candidatura a se sentirem representadas, independentemente de quem ganhasse a disputa.

Por outro lado, no PPS, seu espaço de fala e de respeito foi muito maior, principalmente pela direção do partido, sendo candidata a prefeita em 2007, com total respaldo.

“O PT se organizou todinho em cima de uma liderança masculina que é o Lula e o Lula fala muito do protagonismo da mulher, mas na prática não é o que se vê. As mulheres são sempre aquelas que o Lula indicou para ocupar determinado cargo, posição.”

O ser mulher de Soninha

Para Soninha, ser mulher é sempre estar mais exposta, mais sujeita a um tratamento subjetivo, como “ai que bonitinho, essa mulher é forte hein, essa mulher é fogo viu, ela é inteligente”.

Acredita que essas expressões não são ditas por mal logo de cara, mas é algo que está naturalizado na sociedade, como já vimos anteriormente.

Sua vida pessoal foi exposta por boatos da mídia e de parlamentares próximos, como da relação dela com o então prefeito de São Paulo, nos anos de 2005 e 2006, José Serra (PSDB).

Na mídia, por exemplo, essa exposição foi um tanto conturbada, por volta de 2005 e 2006, quando o ex prefeito José Serra (PSDB) estava governando a cidade de São Paulo.

Muitas pessoas diziam que os dois tinham uma relação além de suas atribuições profissionais, mas sempre colocavam a maior culpa em Soninha e não em Serra, como “vereadora tem um caso com o prefeito” e não ao contrário.

“Minha relação com o Serra sempre foi muito profissional e muito boa por esse motivo. Nos dávamos muito bem, ele aceitava minhas sugestões de lei e de ações para a prefeitura … era uma abertura que eu tinha para mostrar meu trabalho como vereadora da cidade, sem qualquer relação amorosa ou algo do tipo.”

Como Sonia sempre se colocou como uma pessoa desafiadora, essa foi mais uma de suas lutas feministas para a sua trajetória de vida.

A última e mais recente, é a de seu relacionamento com o senhor Paulo Sergio Rodrigues. Ele é ex morador de rua e, no passado, sofria com alcoolismo. Um momento turbulento, mas que Sonia resistiu.

“Muitas pessoas me julgaram. Minha família, amigos … pessoas que eu queria apoio e não estranhamento. Fui levada ao psiquiatra, pois eles entendiam que isso era uma loucura. Mas o tempo passou e hoje estamos muito bem em família”.

Sonia é da velha política, mas com o coração e a mente de uma mulher jovem disposta a crescer muito mais e que inspira muitas meninas no presente.

No meio de todos esses turbilhões, também acometeu em sua vida, a temida depressão, realizando acompanhamento psicológico até os dias de hoje, sendo um de seus combustíveis.

Essa é a nossa primeira história grandiosa de uma mulher que legisla uma cidade, mas que representa milhares de vozes femininas.

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Crédito das imagens: Pixabay License

Capítulo do livro: Privilégio ou luta? A história de mulheres que não deixaram o seu sonho morrer

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