Na imprensa: como o Caso Ítalo foi divulgado

publicado na Ed_06_jan/mar.2018 por

O primeiro telejornal a noticiar o caso foi o Bom Dia SP, da TV Globo. Na ocasião, o jornalista Rodrigo Bocardi, às 6h41, informava que dois menores de idade haviam furtado um veículo e um deles acabou sendo morto pelos policiais militares. “Uma história muito triste. Difícil até de definir o tipo de punição ou o que deve ser feito com essas pessoas. A polícia perseguiu dois meninos – um de 13 e outro de 9 anos. Tudo isso é chocante. Isso serve até para alertar os pais sobre esse exemplo que deve ser eliminado, ou melhor, nem é um exemplo”, disse. E, em seguida, ele chama o repórter que está em frente ao Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), na zona central da cidade. Esta foi a primeira abordagem feita pela imprensa, ainda com informações bastante imprecisas. Na reportagem, o jornalista André Azeredo afirma que Ítalo tinha 13 anos e estava acompanhado por um amigo de 9 anos.

O Jornal Hoje, exibido pela TV Globo durante o horário de almoço, começou sua edição do dia tratando do assunto. O jornalista José Roberto Burnier deu detalhes do caso em uma reportagem que abordava o crime, e o repórter André Azeredo trouxe informações ao vivo da sede do DHPP.

Segundo Azeredo, a Polícia Militar informou que o pai de Ítalo está preso e a mãe é ex-presidiária. Até cerca de treze horas depois da ocorrência, a Polícia Civil ainda não havia se pronunciado oficialmente sobre o assunto. Houve, porém, a correção da idade dos garotos, para 10 e 11 anos.

Enquanto a imprensa buscava informações sobre o assassinato de Ítalo e não conseguia por meios oficiais, o advogado e conselheiro do Conselho de Proteção à Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, recebia inúmeras ligações e mensagens de WhatsApp de repórteres dos mais diversos veículos de comunicação. Todas informando que uma criança havia sido morta, que policiais militares estavam envolvidos no caso e que precisavam de informações sobre o ocorrido. Castro Alves, então, assumiu a função de conselheiro do Condepe e entrou em contato com o DHPP. A história ainda imprecisa relatada pelos repórteres se confirmou, e ele compareceu na manhã do dia seguinte ao DHPP para entender o que havia acontecido na rua José Ramon Urtiza, local da morte de Ítalo. O conselheiro também acompanhou o segundo depoimento de J. e conversou com os familiares das crianças.

Em entrevista para o site G1, da Rede Globo, a mãe de Ítalo, Cíntia Ferreira Francelino, diz que o “o filho só queria cantar, o sonho dele era ser MC”. Aos prantos e visivelmente desestabilizada, Cíntia suplica, de olhos fechados, para a equipe de reportagem: “Ajuda eu moço, pelo amor de Deus, põe esses policias na cadeia. Por que fizeram isso com ele, moço?”. Cíntia estava no Instituto Médico-Legal (IML) aguardando a liberação do corpo de Ítalo.

O site do jornal Folha de S.Paulo noticiara a morte do menino Ítalo, com detalhes, logo nas primeiras horas da manhã. A reportagem, publicada às 9h58 do dia 3 de junho e atualizada pela última vez à 0h58 do dia 4, detalha desde a morte de Ítalo até a liberação de seu corpo no Instituto Médico-Legal (IML). Na ocasião, a Folha ouviu o Secretário de Segurança do Estado, Mágino Alves Barbosa Filho, o ouvidor da Polícia Militar, Júlio César Fernandes Neves, e a mãe de Ítalo.

A narrativa do fato pela Folha é a mesma que outros veículos da imprensa adotaram para o caso. O Estado de S. Paulo também abordou o assunto com destaque e, às 9h38 do dia 3 de junho de 2016, publicou sua primeira matéria sobre o ocorrido. Na versão on-line do jornal foram três reportagens publicadas no dia seguinte ao crime e, ao longo do mês de junho, o caso voltou a ser abordado pela Agência Estado.

A revista VEJA também abordou o fato em uma reportagem de página inteira que refaz o caminho da arma supostamente usada por Ítalo. A reportagem, assinada pelos jornalistas João Pedroso de Campos e Eduardo Gonçalves, revela que uma das linhas de apuração do DHPP é que Ítalo poderia ter roubado a arma de traficantes do Morro do Piolho, na Zona Sul, onde morava. A outra é que a arma teria sido plantada pelos policiais no local da ocorrência. Ou seja, Ítalo jamais teria efetuado disparos e morreu devido ao despreparo dos oficiais.

Na apuração feita pelos repórteres, o revólver pertence à empresa de segurança patrimonial Mult Service, de Bauru, no interior de São Paulo, e foi roubado no dia 19 de abril de 2015, em um assalto a carga em Jundiaí, também no interior do Estado.

No espaço destinado aos comentários de leitores da Folha de S.Paulo, a sociedade se manifestou sobre o crime. “Com uma arma na mão, atirando, a polícia tinha que fazer o que fez. Esperar que o marginal acertasse um inocente?”, diz um deles.

“Agora se preparem para a gritaria da Maria do Rosário”, comentou outro leitor do jornal, referindo-se à deputada federal do Partido dos Trabalhadores (PT), que foi ministra da Secretaria dos Direitos Humanos no governo Lula e é conhecida como feroz defensora de casos semelhantes. Na matéria sobre o enterro de Ítalo, publicada pelo portal G1, uma leitora questiona: “A) A PM não tinha outro método para parar Ítalo?;

  1. B) Era necessário atirar contra a cabeça do menino?;
  2. C) Qual é o procedimento operacional padrão ensinado aos PMs para agir em perseguições a veículos?”.

Outro leitor responde à sua pergunta:

“A) Um bandido a menos;

  1. B) Uma vítima não será mais assaltada por ele;
  2. C) Quem vai arcar com o prejuízo do carro?”.

Ainda na mesma matéria, o leitor identificado como Carlos Abreu comenta: “Com toda sinceridade do mundo. Eu fico é feliz quando um bandido morre, não importa a idade. Parabéns à PM e principalmente ao policial que mandou esse menino pra creche do inferno. kkkkkkkk Menos um, faltam muitos ainda. Pena que o amigo dele sobreviveu”.

Em uma matéria sobre o caso, publicada em 21 de abril de 2017, pelo site da Folha, o leitor Cassio Nogueira comentou: “Sementinha do mal dando trabalho pros mikes”. Outro leitor reitera no comentário abaixo: “Ban-di-do de 11 anos”.

Nas caixas de comentários do portal G1 é onde se veem mais comentários apoiando os policiais e demonizando as duas crianças. O leitor Ney Fagundes, ainda na reportagem sobre o enterro de Ítalo, comentou: “Foi enterrado? ô dó! Deveria ser cremado, pois vai que brote…”. Na mesma reportagem, a leitora Veranis Rodrigues escreveu: “Essas crianças, o de 10 anos, morto, e o de 11, que provavelmente será morto também, se não disser o que a polícia quer que digam, não tinham familiares que os protegessem, não tinha onde dormir e onde morar, o que faleceu. Fácil matar, difícil é dar uma vida mínima a uma criança de 10 anos”. O comentário teve 172 dislikes, 33 likes e 14 respostas – das quais 13 atacavam a leitora que se manifestou e defendiam a atuação da PM.

As matérias citadas trataram majoritariamente do aspecto factual do caso e de seus desdobramentos iniciais – nenhuma delas adota um viés voltado para os Direitos Humanos ou aborda a história de vida das famílias das crianças em profundidade, algo pouco comum no jornalismo on-line, que sempre busca retratar o fato da maneira mais precisa possível. O site Ponte Jornalismo, o portal on-line da revista Carta Capital e o coletivo Jornalistas Livres também noticiaram o caso.

A Carta Capital publicou uma matéria em 8 de junho intitulada “O que se sabe sobre o caso do menino morto pela PM de SP”. A matéria responde a questões simples sobre o crime e o que é de conhecimento da mídia até aquele momento, citando, inclusive, notas oficiais do secretário de Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa, e ouvindo o comandante-geral da PM paulista, coronel Ricardo Gambaroni, que declarou não acreditar em “excessos” por parte dos PMs na operação que culminou no assassinato de Ítalo.

O programa Record Investigação, exibido pela Record, dedicou uma matéria em 17 de junho de 2016 para entender o caso com um pouco mais de profundidade e entrevistou o menino J., de 11 anos, que sobreviveu à abordagem policial no dia do furto do carro. Na entrevista, J. afirma ao repórter Lúcio Sturm que seu amigo não estava armado e que ficou com medo da situação. Segundo a reportagem, Ítalo era o melhor amigo de J. Eles haviam se conhecido em um abrigo. De costas para as câmeras, J. conta em detalhes sua versão de tudo o que aconteceu ao longo do dia 2 de junho de 2016.

A reportagem também se preocupou em ouvir a mãe de J., Elaine Cristina da Silva Alves, que relata sentir medo do que possa acontecer com o menino. “Se não teve dó do outro menino, eles não teriam dó do meu filho também”, completou.

Ainda em meio ao calor de informações imprecisas e de indignação de parte da população com a operação que havia resultado na morte de uma criança de 10 anos, o DHPP decide convocar uma coletiva de imprensa para a noite de 3 de junho de 2016. Chovia na região central de São Paulo, mas diversos veículos de imprensa compareceram ao local para acompanhar a fala da diretora do DHPP, a delegada Elisabete Sato.

Na sala de imprensa, jornalistas dividiam espaço com cinegrafistas, câmeras e equipamentos de luz montados às pressas. Cerca de trinta profissionais com bloco de anotações e caneta em mãos aguardavam a entrada da delegada com novas informações sobre o caso.

Entre testes de luz, microfone e enquadramento para as câmeras dos telejornais da Record, Rede Globo, Gazeta, entre outros, a coletiva começou em meio aos gritos de “silêncio” dos cinegrafistas. Conversas paralelas e selfies com colegas de outras emissoras se encerraram. A delegada então remontou a história: Ítalo e J. invadiram um condomínio, foram até a garagem no subsolo, pegaram o Daihatsu e saíram pelo portão da frente do prédio – tudo recheado com detalhes que só o DHPP tinha até o momento.

Ao descrever a perseguição, Elisabete Sato começou a ser questionada pelos repórteres afoitos, antes mesmo de a coletiva ser aberta para perguntas. Preocupada em finalizar tudo o que os órgãos oficiais haviam apurado até aquele momento, a delegada seguiu firme em sua narrativa cronológica dos fatos ocorridos na noite de 2 de junho de 2016, conforme consta no boletim de ocorrência do caso.

Segundo a delegada, o policial da Rocam que efetuou o disparo não tinha como saber que estava atirando contra uma criança. “O carro era ‘insulfilmado’ (sic). Então, os policiais não tinham como saber se era uma criança. O vidro estava fechado”, disse. Ela afirmou que o policial teria disparado porque o menino fez, antes, disparos de dentro do veículo contra os policiais.

Na coletiva de imprensa, o DHPP também deu detalhes do primeiro depoimento de J., que confirmava que Ítalo estava armado. A delegada falou ainda sobre a condição de vida das crianças, detalhando as passagens de ambos por furto e as três fugas de abrigo de Ítalo. “Temos que entender que há uma questão social muito grave aqui”, afirmou.

Elisabete Sato afirmou que a família de Ítalo é “desestruturada”. “A mãe já foi presa e o pai está preso pelos crimes de tráfico de drogas, falsidade ideológica e furto”.

Muitos repórteres presentes na coletiva acharam a versão dada pela polícia bastante inverossímil – instalou-se um murmúrio seguido por perguntas sobrepostas de dois repórteres. Um deles questionou: “Mas, doutora, como um menino de 10 anos, de baixa estatura, vai conseguir dirigir, trocar tiros com a polícia e abrir e fechar o vidro do carro? Porque, no momento do disparo da PM, o vidro do motorista estava fechado. O vidro era elétrico?”. A delegada responde que ainda havia inúmeras questões abertas e que era muito cedo para esclarecer os fatos. “Desdobramentos dessa história só serão respondidos após o término da perícia”, declarou Elisabete. Nessa hora, ela também revelou que Ítalo usava uma luva preta em uma das mãos, que estava passando pelos exames residuográficos. Tirando os minutos de atraso, a coletiva concedida na sede do DHPP durou cerca de 20 minutos e não trouxe grandes novidades ao caso, o que só aconteceria após o resultado da perícia.

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Crédito da imagem: CC0 Creative Commons

Capítulo do livro:Caso Ítalo: o crime, a morte e as dúvidas

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