MediaQuatro e as realidades e invisibilidades midiáticas

publicado na Ed_07_abr/jun.2018 por e

É a partir do primeiro projeto pós-Terezin que começamos a utilizar mais fortemente a MediaQuatro como marca. Assim, em 2002, logo após a morte de Jonas Savimbi e do fim do conflito civil de 27 anos em Angola, percebemos que tínhamos a oportunidade histórica de fazer a cobertura, frustrada dez anos antes, com muito mais propriedade. Juntamos o pouco dinheiro que tínhamos (lembrem que em 2002, devido ao chamado “efeito Lula”, o dólar chegou a R$ 4,00), o apoio de amigos e familiares e rumamos para o continente africano, a fim de documentar a ação de entidades humanitárias como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha – CICV e os Médicos Sem Fronteiras — MSF.

Também há histórias muito divertidas sobre essa viagem, que não estão no livro ou nas reportagens. Conhecemos, por exemplo, uma família com muitos filhos que criava um porco para o Natal. Mas como o animal era um bem precioso, e estávamos na época da seca, as crianças dormiam do lado de fora da casa e ele dentro, para não ser roubado. Nos dias que passamos num acampamento com os jovens evangélicos vindos de boa parte da África, as mulheres e homens não compreendiam muito bem as nossas novelas, em que parâmetros da realidade as histórias eram construídas e se encaixavam. Como uma sociedade que se expõe dessa maneira poderia ser chamada de evoluída?

As viagens em pequenos aviões descendo em espiral em pistas de terra para evitar artilharia antiaérea eram sempre motivo de preocupação, mas inevitáveis para produção de material. Houve, ainda, o medo de termos os rolos de filme confiscados na alfândega, assim como perdemos um quando fomos detidos na feira de Roque Santeiro. Até hoje não sabemos como conseguimos entrar, trabalhar e sair de Angola sem pagar um único kwanza de propina num dos países mais corruptos do planeta.

Menina com criança vende roupas no Mercado São Pedro
(Huambo – Angola, 2002)

Em Angola nos deparamos com todos os clichês da África subsaariana: guerra, fome, doenças, contrastes sociais, natureza exuberante, etc. No mesmo ano, o mais famoso fotógrafo brasileiro, Sebastião Salgado, esteve na região trabalhando para os MSF (inclusive no centro médico da entidade em Caala, onde também estivemos) e publicou um ensaio chamado Angola Esquecida. Nossa opção de criação imagética e textual do pós-guerra angolano, no entanto, foi diametralmente oposta à de Salgado. Nosso trabalho, intitulado Angola – A Esperança de um Povo, mostra a população lutando contra todas as dificuldades para reconstruir suas vidas, suas famílias e sua nação. Textos e imagens foram publicados no Brasil na revista Horizonte Geográfico[1] e na Inglaterra, na revista bilíngue Jungle Drums[2]. O trabalho resultou, ainda, em um livro[3] e em uma exposição que percorreu galerias em São Paulo, Brasília, Salvador e Uberlândia[4].

Menino ferido por mina terrestre é tratado em hospital administrado pelo CICV
(Huambo – Angola, 2002)

Desde o início conhecíamos o poder das imagens por seu impacto emocional e também na confiabilidade dos textos e, por isso, a ênfase na produção das fotografias e sua divulgação, tanto física (nas revistas e jornais em papel e exposições) como virtual. Isso é especialmente importante nas coberturas que chamamos de “invisibilidades midiáticas”, em que a imprensa tradicional não chega ou reproduz sempre os mesmos clichês que não trazem informação nova. O site da MediaQuatro, então migrado para o servidor gratuito do portal Universo On Line – UOL, do grupo Folha e, quatro anos depois, para o serviço pago com domínio próprio (www.mediaquatro.com), com a formalização da empresa como produtora de conteúdo, passou a exercer um importante papel de repositório de informações e divulgação do trabalho. Várias das matérias publicadas sobre Angola em veículos impressos, como a revista Horizonte Geográfico, atualmente só podem ser acessadas no endereço da MediaQuatro.

***

[1] Disponível em: <http://mediaquatr.dominiotemporario.com/angola-hg.html>. Acesso em: 8 ago. 2017.

[2] Disponível em: <http://mediaquatr.dominiotemporario.com/angola-jd.html>. Acesso em: 8 ago. 2017.

[3] Disponível em: <http://mediaquatr.dominiotemporario.com/angola-livro.html>. Acesso em: 8 ago. 2017.

[4] Disponível em: <http://www.mediaquatro.com/exposicoes>. Acesso em: 8 ago. 2017.

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Legenda da capa: Criança brinca com os fotógrafos perto de um centro evangélico na periferia de Luanda (Angola, 2002)

Crédito das imagens: Autores

Capítulo do livro:Jornalismo independente do analógico ao digital: 15 anos da MediaQuatro

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