Primeiro semestre de 2018. A mídia brasileira centraliza atenções em duas editorias. Às vésperas de mais um período eleitoral, as manchetes políticas priorizam os escândalos de corrupção, com a prisão inédita de um ex-presidente — Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — e outras tantas denúncias envolvendo o nome do então ocupante do posto de mandatário supremo da Nação — Michel Temer (MDB). No Esporte, foco absoluto na expectativa pela vigésima primeira edição da Copa do Mundo de Futebol, a primeira na Rússia, e no sonho da conquista do sexto título da “Seleção Canarinho”. Conseguiriam os pupilos do técnico Tite apagar da nossa mente – ou pelo menos atenuar – o trauma daquele 7 a 1 imposto pelos alemães na semifinal disputada em Belo Horizonte, quatro anos atrás?
Longe da badalação em torno de Neymar Jr. e seus colegas nesta missão e do noticiário político-policial da capital federal, um homem que honra as raízes mineiras, com fala mansa e jeito discreto, seguia fazendo história e assombrando todos os que tomavam conhecimento de suas façanhas na corrida de rua.
Aliás, “seguia” não; segue! Aos 65 anos, uma idade que para muitos significa o mergulho definitivo em um ciclo de decadência física e mental, Nilson Paulo de Lima esbanja saúde, disposição e fôlego. Seu grande hobby é aumentar o currículo pessoal de maratonas ao redor do planeta.
No último dia 22 de abril, ele completou a sua 195ª prova com no mínimo 42.195 metros de distância. Foi a décima quinta maratona concluída em um intervalo de apenas 30 dias – período no qual fez um tour por 13 estados e avançou um pouco mais no projeto de buscar pelo menos uma medalha de maratona em cada uma das 50 unidades da federação estadunidenses. A volta ao Brasil foi justamente por conta de uma manhã de domingo especial, recebendo amigos na cidade que o acolheu como morador há pouco menos de meio século e que desde 2016 o reverencia com o nome de um evento: a Maratona Nilson Lima de Uberlândia.
Crédito da imagem: Thiago Crepaldi
Quem também marcou presença em meio aos cerca de 1.600 participantes inscritos na terceira edição da “UDI 42” foi o sul-africano Bruce Fordyce, que possui marcas impressionantes[1] naquela que é considerada a maior e mais famosa ultramaratona do mundo, a Comrades – cujo percurso varia entre 87 e 90 quilômetros.
Atualmente com 62 anos, o sul-africano foi o palestrante do jantar de massas realizado na noite de 21 de abril. Na ocasião, foi perguntado por mim se tinha conhecimento de algum outro corredor cujo prestígio é tão grande, a ponto de poder participar de uma maratona batizada em sua homenagem, como ocorre com o brasileiro. Fordyce disse que não e o definiu como um atleta “incrível”.
O multicampeão está entre os mais de 20 entrevistados – pessoalmente, via e-mail, Facebook ou WhatsApp – durante as pesquisas para a produção deste livro-reportagem e de um segundo título que ainda está “em fase de gestação”, ambos frutos de um projeto desenvolvido para o curso de Mestrado Profissional em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), sob a orientação do Prof. Dr. Rafael Duarte Oliveira Venancio.
Desde a nossa primeira conversa, Nilson sempre foi muito receptivo e atencioso ao trabalho, chegando a abrir as portas de sua residência em setembro de 2017 para uma longa conversa que serviu para nortear a escolha dos demais autores de depoimentos especiais: pessoas próximas a ele, no ambiente familiar e, sobretudo, no das corridas, incluindo profissionais com amplo conhecimento a respeito da prática deste esporte e que já acompanham o “homem-maratona” há muitos anos.
Atleta amador que também sou, e com a “impressionante” marca de três maratonas cumpridas a duras penas até então, me propus a tentar acompanhá-lo durante os mais de 42 mil metros do trajeto do evento que o homenageia desde 2006, a Maratona Nilson Lima de Uberlândia – UDI 42. O relato desta experiência foi o fio condutor escolhido para narrar a trajetória esportiva do mineiro até chegar à sua corrida oficial de longa distância de número 200, fato que aconteceria menos de três meses depois, no dia 9 de julho, na cidade de Wahpeton, localizada no estado de Dakota do Norte, nos Estados Unidos.
O raciocínio foi o seguinte: para apresentar este homem e o que o move, nada melhor do que vivenciar o universo no qual ele transita, faz história e conquista tantos amigos e admiradores. Com os seus testemunhos, casos e “causos”, eles me ajudaram muito nesta tarefa.
Sem mais delongas, vamos ao que interessa. No caminho eu conto!
[1] Bruce Fordyce venceu a prova por oito anos seguidos (de 1981 a 1988) e quebrou o recorde dela em cinco destas oportunidades. A nona vitória foi obtida em 1990. Ao cravar o tempo de 5h24min07s, em 1986, estabeleceu um recorde que durou 21 anos na Comrades. Em 2012, aos 56 anos, com 8h06min10s, completou sua trigésima participação consecutiva naquela ultramaratona.
Crédito das imagens: Diversos, atribuídos em legenda
Capítulo do livro: “No caminho eu conto: a trajetória que transformou Nilson Lima em homem-maratona“