Odeio ser bipolar, é tão legal

publicado na Ed_02_jan/mar.2017 por e

Na minha infância ainda não era bipolar ou não sabia que era. Só sei que a minha família tinha um histórico rico em brigas e discussões. Com gênios fortes, meus pais viviam brigando, principalmente, por conta de dinheiro. Aos 6 anos, passei a ter as mesmas atitudes que meus pais tinham em casa, com minhas colegas de escola. Tudo que via, fazia.

Já apresentava algo estranho, oscilava de humor de uma hora para outra, uma hora estava alegre, calma e confiante, em fração de segundos estava triste, nervosa e agressiva. Eu era muito intensa, cada momento era uma intensidade diferente. Uma confusão começou a habitar minha mente.

Eu era a garota estranha, fora do padrão de beleza. Sim, sempre fui gordinha, sofria bullying na escola e até na minha própria casa. Ter que lidar todos os dias com o espelho não é nada fácil para quem é o oposto do “padrão de beleza”. Me sentia sozinha num mar de emoções que não sei bem o que são, incompreendida num mundo onde ser diferente é mau.

Cara, eu sou humana, não sou uma máquina. Não queria ser uma máquina…. Sabe? Só queria me encolher na cama, abraçar o meu travesseiro e deixar as lágrimas escorrerem para diminuir o anseio e a dor.

 Ter que me adaptar com brincadeiras de mau gosto por conta do meu corpo, me fez perceber a cada dia, que eu deveria me sentir bem comigo mesma e mostrar que eu era perfeita do meu jeito. Perfeita desse jeitinho, assim mesmo, com barriga e quadril desproporcional.

Ao completar os tão sonhados 18 anos, tive mais uma de várias brigas com os meus pais. Depois de tantas discussões e agressões, decidi sair de casa e morar com uma das minhas tias. Peguei meus pertences, mas algo me impedia de me despedir da minha mãe.

Eu não queria ter que partir, magoar minha mãe, mas vi que seria a solução do problema, pelo simples fato de não haver mudança e infelizmente, eu não poderia continuar em um lugar que tanto me machucava, não aguentava mais brigar com a minha mãe por motivos tolos, bestas e banais. Confesso, o pior sentimento que existe é a partida.

Minha mãe tinha esperança que eu voltasse, mas eu estava bem e feliz. Até que 6 meses depois, com 19 anos entrei em depressão, não saía de casa, não comia, não tomava banho, chorava muito e estava frequentemente triste. Me sentia tão sozinha e confusa. Sem vontade de viver. Uma hora estava tudo bem e de repente, mudava.

 Passava horas e horas na frente da televisão, ouvindo música ou até inventando histórias que gostaria que fosse realidade. Eu fingia, fingia que estava tudo bem, mas na verdade estava desabando por dentro. Quanto mais bem eu aparentava estar, mais mal eu realmente estava. Fingir era uma arte e eu estava ótima naquilo.

E assim seguia, fingindo estar bem e sã para que não descobrissem a quão ruim e depressiva, eu realmente estava…. Foi virando rotina, cortinas fechadas dentro de um quarto escuro e sem vida, o que era doce foi ficando amargo e apodrecendo em um frasco. Cansada e sem valor, fui me acostumando com a dor.

E estar desse jeito já não fazia diferença para mim, era tudo rotina, já sabia tudo que poderia e que iria acontecer, já era inútil levantar ao nascer do sol e acreditar que ia ser um bom dia.

No auge dos meus 20 anos, fui diagnosticada como bipolar. Uma hora estava bem, feliz e brincalhona. Na outra estava mal, deprimida e séria. Mas que droga de humor era aquele?  Que merda estava acontecendo comigo?

Muitas vezes queria carinho, queria me divertir, queria alguém do meu lado e de repente, tudo isso mudava, queria ficar sozinha e me isolar do mundo.

Minha vida se resumia em: acordar de bom humor, ir para a faculdade. Ficar aflita e estressada. Até que o humor melhorava. E, quando finalmente parecia que o dia iria acabar bem, algo o estragava. E novamente, lá estava eu ficando jururu, violenta e puta da vida.

No ano seguinte ao diagnostico, pesando mais de 100kg, com a autoestima muito baixa e pressionada pela minha mãe, me internei no SPA com o intuito de emagrecer 10kg. Minha meta foi atingida em um mês, com um cardápio que oferecia três opções diárias de pratos exclusivos, em programas de 300, 450 e 600 calorias por dia.

Eu não andava confiante. Me desentendia com meus pais e amigos o tempo todo. Preferia me isolar a sair para me divertir. Chorava com as coisas mais simples e insignificantes. Tinha dias que eu dava sorrisos forçados. Eu tentava me convencer de que estava tudo bem, quando não estava.

Atualmente, aos 25 anos, estudante de Jornalismo, me trato e vivo como uma pessoa normal, confesso que é foda sentir essas oscilações de humor e de sentimentos.

Meus pais não aceitam que sou bipolar, que terei de conviver com esse transtorno a vida inteira, para eles não tenho necessidade de me tratar. Amigos tenho poucos, são pessoas maravilhosas e que sabem da minha doença e não me trataram indiferente. Não é fácil, mas eles me aceitam.

Certa vez, em uma das aulas, falei abertamente para todos da sala que era bipolar, não foi fácil, fiquei envergonhada e com medo da reação dos meus colegas; após o “anuncio fatal”, porém foi o único ambiente em que me senti confortável para falar sobre o assunto. Confesso que não esperava a reação deles, de que vão me tratar normal como sempre me trataram.

Odeio ser bipolar, é tão legal. Bipolaridade é foda. Eu sofro desse mal e sou feliz.

Gabriela Gomes

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Crédito da imagem: Bruno Nascimento

Capítulo do livroSou bi…polar

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